Câmara Municipal, Confraria e Círio de Belém do Pará unidos no mesmo desígnio

Ao nascer do dia 14 de setembro de 1182, D. Fuas Roupinho, Alcaide de Porto de Mós, caçava junto ao litoral, envolto por um denso nevoeiro, perto das suas terras, quando avistou um veado que de imediato começou a perseguir. O veado dirigiu-se para o cimo de uma falésia. D. Fuas, no meio do nevoeiro, isolou-se dos seus companheiros. Quando se deu conta de estar no topo da falésia, à beira do precipício, em perigo de morte, reconheceu o local. Estava mesmo ao lado de uma gruta onde se venerava uma imagem da Virgem Maria com o Menino Jesus. Rogou então, em voz alta:
Senhora, Valei-me!.
De imediato, miraculosamente o cavalo estacou, fincando as patas no penedo rochoso suspenso sobre o vazio, o Bico do Milagre, hoje chamada de “Pata do Cavalo” rocha prolongada em relação à riba, salvando-se assim o cavaleiro e a sua montada da morte certa que adviria de uma queda de mais de cem metros.
D. Fuas desmontou e desceu à gruta para rezar e agradecer o milagre.
De seguida mandou chamar pedreiros para construírem uma capela sobre a gruta, em memória do milagre, a Ermida da Memória, para aí ser exposta à veneração dos fiéis a milagrosa imagem. (…)

A história atribui o topónimo Nazaré a uma imagem da Virgem oriunda de Nazareth, na Palestina, que um monge grego teria trazido até ao Mosteiro de Cauliniana, perto de Mérida, no século IV. No século VIII teria chegado ao Mosteiro o fugitivo Rei D. Rodrigo, último rei visigodo da Península Ibérica, depois da sua derrota, frente aos Mouros, em Guadalete. Aí teria encontrado Frei Romano que o acompanhou na sua fuga, trazendo com ele a imagem da Virgem e uma caixa com as relíquias de S. Brás e de S. Bartolomeu. Antes de morrer, Frei Romano teria escondido a imagem numa lapa, no Sítio, onde ficou guardada durante quatro séculos, sendo então descoberta por pastores, que a passaram a venerar.

Venerada desde então, a imagem teria dado origem ao nome do lugar – Sítio de Nossa Senhora de Nazareth.

A divulgação do milagre de Dom Fuas Roupinho, com que dei início a esta intervenção, trouxe um aumento de peregrinos ao pequeno templo do Sítio, contribuindo para o crescimento do povoado e para a multiplicação do número de milagres atribuídos à Virgem da Nazaré, com o consequente acréscimo da quantidade de oferendas dos fiéis. Por outro lado, esteve na origem de novas práticas devocionais, pois cada vez mais romeiros procuravam ver a marca da pata do cavalo gravada na rocha do promontório. Outros levavam consigo pedaços de terra da gruta onde a imagem da Senhora estivera escondida durante séculos.

Vários fatores contribuíram para a rápida aceitação da narrativa por parte dos devotos. Entre eles contam-se o prestígio do mosteiro de Alcobaça enquanto guardião de alguns dos mais antigos manuscritos do Reino, a possibilidade de comprovar as afirmações do monge através de vestígios concretos, a cor escura da imagem que por si só confirmava a antiguidade da mesma, o enquadramento da lenda dentro dos esquemas das narrativas cavaleirescas e de origem dos santuários, ou ainda o facto da lenda ir ao encontro das necessidades de maravilhoso sentidas pelos devotos e transportar consigo uma carga simbólica apreciável.

Sejamos crentes ou não, dificilmente conseguimos passar ao lado dos feitos da Nossa Senhora da Nazaré.

O Culto a Nossa Senhora da Nazaré é um dos Cultos Marianos mais antigos de Portugal, com mais de 800 anos de história e devoção ininterrupta.

Esta devoção espalhou-se pelo mundo de língua portuguesa, tendo um estatuto imbatível no Brasil. Exemplo disso é o Círio de Nazaré, em Belém do Pará, a maior manifestação de fé católica da América do Sul, que junta, anualmente, mais de dois milhões de pessoas nas ruas da capital paraense com o fim de prestarem homenagem à “Rainha da Amazónia”, nome pela qual também se designa a Nossa Senhora da Nazaré.

A Nossa Senhora da Nazaré é hoje padroeira dos Estados brasileiros do Pará e da Rondônia e também vive em paróquias e celebrações em São Tomé e Príncipe e Angola.

Em Portugal, além do próprio berço da devoção, a vila da Nazaré e o seu Santuário, são dezenas os templos, celebrações e círios dedicados a esta invocação mariana. Este património espiritual partilhado, que une povos e gerações no espírito da Paz e da Esperança, merece ser preservado e promovido, e foi por isso que o Município da Nazaré, em conjunto com o Governo do Estado do Pará e em parceria com a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, decidiu avançar com um processo de Candidatura deste Culto a Património Imaterial da Humanidade junto da UNESCO.

Muitos dos locais que referi anteriormente fizeram-se representar neste Encontro Internacional de Comunidades Devotas de Nossa Senhora da Nazaré. É para nós um privilégio contar com a vossa presença.

Os vossos contributos são fonte de inspiração e de motivação para a fortificação deste projeto de candidatura.

É também para nós um privilégio contar com o apoio e empenho de pessoas como o Senhor Governador do Pará, Hélder Barbalho, o da Senhora Secretária da Cultura do Pará, a minha querida Úrsula, o dos Senhores Padres Paolo e Salvatore bem como do Nuno Batalha. O empenho da Confraria neste desígnio tem sido fundamental para que possamos chegar mais longe.

Uma última palavra para a equipa que tem trabalhado afincadamente neste projeto, muito em especial aos funcionários e colaboradores do município, da Nazaré Qualifica e dos Serviços Municipalizados, não esquecendo, naturalmente os eleitos pelas gentes da Nazaré que têm acarinhado este projeto de forma muito especial.

Todos juntos vamos fazer chegar este culto, e as tradições a ele associadas, mais longe.

É esse o repto que vos deixo.

Muito obrigado pela vossa presença.

Comunicação do presidente da Câmara Municipal da Nazaré, Walter Chicharro, na sessão de abertura do I Encontro Internacional de Comunidades Devotas de Nossa Senhora da Nazaré.

(Foto de cabeçalho: na Igreja de Santa Maria de Belém do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa, com a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré de Belém do Pará)