A DEVOÇÃO DO POVO PORTUGUÊS A NOSSA SENHORA NOS TEMPOS MODERNOS

Geraldo Coelho Dias, Revista da Faculdade de Letras. Historia, ISSN 0871-164X, Nº. 4, 1987, págs. 227-256

I. INTRODUÇÃO

Por determinação do Papa João Paulo II, os católicos do mundo inteiro estão a celebrar desde a festa do Pentecostes, 7/VI/1987, até à festa da Assunção de Maria, 15/VIII/1988, um especial Ano Mariano que visa preparar o bimilenário do nascimento de Cristo e do terceiro milénio da era cristã. Só por si, este facto já prova como a devoção a Maria, Mãe de Jesus Cristo, é uma componente essencial do culto cristão. E ainda que a vertente evangélico-protestante procure apoucar o papel de Maria quer na religião popular quer na teologia, as vertentes católica e ortodoxa, pelo contrário, exaltam e glorificam o seu papel como mãe dos cristãos, a quem chamam, gostosamente, Nossa Senhora. Daí o culto de «hiper-doulia» que lhe é prestado, sem que, por isso, tenhamos de suspeitar qualquer laivo de «mariolatria» (1).

Portugal, país predominantemente católico, apresenta, neste campo da devoção a Nossa Senhora, uma história secular e glorificante que arrancou logo nos primórdios da Nacionalidade e se sedimentou e alargou, sobretudo, com a Restauração no século XVII.

É claro que se torna muito difícil acompanhar a história da devoção popular a Nossa Senhora segmentando-a em compartimentos cronológicos estanques. Realmente, na devoção popular, que se deve analisar na longa duração das mentalidades, há sempre um cordão umbilical de fé e cultura que, no caso, constitui um legado mariano riquíssimo a perpetuar-se incontido e espontâneo na alma das nossas gentes, de norte a sul. E esse legado, se se vai alargando e enriquecendo com novas formas e manifestações, apesar das transformações ou crises, nunca desdiz do passado; antes dele se alimenta como de fonte pura e inexaurível. É, assim, que poderemos perceber, como dizia João Paulo II, «a dimensão mariana do culto cristão» na religiosidade popular (2).

Mesmo em termos de História, não podemos deixar de reconhecer que o tema da devoção popular mariana em Portugal é actualíssimo. Mas, para começar, talvez valha a pena recapitular de forma sumária, a evolução do legado mariano da fé católica (3) em que a devoção se insere, para, depois, acentuar o que ele recebeu de mais característico em Portugal nos sécs. XIX e XX; aliás, também nisto, estamos profundamente atrelados à «jangada de pedra» da Europa.

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1 – A Idade Média (sécs. X a XV) fez que a devoção à Virgem Maria invadisse toda a piedade cristã, desde a Liturgia às Artes e Literatura. Desdobraram-se as festas do Calendário Litúrgico e da denominação «Santa Maria» surgiram múltiplas invocações a Nossa Senhora; tornou-se popular o ofício menor de Nossa Senhora, e o Sábado, em honra de Maria, fixou-se como uma instituição universal. Criaram-se hinos, orações (Avé-Maria) e surgiu a devoção do Rosário, das ladainhas, do «Angelus». Fomentou-se a construção de catedrais, igrejas e capelas dedicadas a Nossa Senhora, apareceram as imagens e relíquias da Virgem, acentuou-se o fenómeno das aparições e multiplicaram-se os milagres e Cantigas de Santa Maria.

2 – A Idade Moderna (sécs. XVI a XVIII) viu-se logo confrontada com o Protestantismo e a ridicularização das práticas devocionais ao culto de Maria. Por isso, a reacção católica* atiçada, ainda mais incrementou o culto e a devoção a Nossa Senhora, criando festas como a do Rosário, a das Mercês, a do Nome de Maria, instituindo com o papa Clemente VIII (4- 1606) a prática de coroar, como sinal de realeza, as imagens de Maria e de a proclamar rainha de diversos países (França, Espanha, Portugal), propagando a reza do Rosário e do Terço e espalhando as ladainhas lauretanas. A heresia jansenista do séc. XVII, com todo o seu rigorismo, também contribuiu para a devoção a Maria. Fundaram-se ordens religiosas consagradas a Nossa Senhora sob diversas invocações e alguns santos tornaram-se paladinos dessa onda de devoção. Para além de S. João Eudes (+ 1680) a fomentar o Culto do Coração de Maria, S. Luis Grignion de Monfort (+ 1716) com os padres monfortinos espalhou a devoção de Nossa Senhora, Rainha dos Corações e escreveu o «Traité de Ia vraie dévotion à Ia Sainte Vierge», Paris, 1843, tradução portuguesa, 1895; Sto. Afonso Maria de Ligório (+ 1787) com os padres redemptoristas instigou a devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e escreveu «As glórias de Maria», Paris, 1750, tradução portuguesa, 1799.

3 – A Idade Contemporânea (sécs. XIX e XX) atingiu o auge da devoção mariana. Retomou e aumentou as anteriores devoções a Nossa Senhora e respectivas invocações; criou os meses de Maria e do Rosário, renovou as confrarias do Rosário, favoreceu as congregações e pias associações marianas, acrescentou novas festas como a do Imaculado Coração de Maria, a de Maria Auxiliadora, a de Maria Medianeira de todas as graças e a da Maternidade Divina de Maria; fez surgir novas congregações religiosas sob a invocação de Maria: os missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria, os oblatos de Maria Imaculada, os Mâíianistas, os Maristas, as Servas de Maria. Mas, acima de tudo, o nosso tempo é a era privilegiada das grandes aparições de Maria: Rue du Bac, Paris, 1830; La Salette (1846), Lourdes (1858) e Fátima (1917), que fazem recrudescer o fenómeno das peregrinações. A definição do Dogma da Imaculada Conceição (8/XII/1854) e da Assunção de Maria ao Céu (l/XI/1950) são dois marcos do climax teológico que consagrou o fervor devocional mariano no nosso tempo.

II. A DEVOÇÃO MARIANA EM PORTUGAL NOS SÉCS. XIX E XX

Como elementos cronológicos e bibliográficos para este período podemos servir-nos de quatro obras importantes: o Santuário Mariano (4), As Memórias Paroquiais de 1758 (5), o Portugal Sacro-Profano (6) e o Portugal Antigo e Moderno (7). Devemos ainda acrescentar que o último quartel do séc. XVIII viveu uma certa euforia religiosa com a criação de muitas festas populares em honra de Nossa Senhora e dos Santos sem que isso significasse real vivência cristã. Aliás, tal euforia seria abafada com a crise político-religiosa subsequente, que muito importa ter em conta para se aquilatar do dinamismo e da capacidade de resistência religiosa que a devoção mariana incutiu na sociedade portuguesa no contexto político– religioso dos dois últimos séculos. Sem exagero, pode dizer-se que a fé católica e a devoção mariana constituíram dado de peso na evolução política do nosso Portugal.

1º Situação político-religiosa em Portugal

Ao começar o séc. XIX, Portugal sofreu o terrível flagelo das três invasões francesas ou napoleónicas (1808, 9,10) que haviam de criar um clima de desânimo e terror. Napoleão foi identificado como a «besta» do Apocalipse, inimigo da Pátria, da Monarquia, da Família e da Religião. Uma composição da época tenta fazer a descodificação dos caps. 13 e 17 do Apocalipse numa «Verificação exaustíssima» (8). Napoleão é a Besta e o Dragão, e os atributos da Besta correspondem aos defeitos de Napoleão: ateísmo, hipocrisia, avareza e devastação causada nos lugares onde chega. A prostituta do Apocalipse 17 é identificada com a França que pretende substituir-se a Deus dominando as nações cristãs.

Logo depois, em 1820, foi a revolução liberal. Apesar dos nobres ideais mutuados da Revolução Francesa, o país dividiu-se em absolutistas e liberais, dando origem a guerras fratricidas com toda a sequela de reflexos anti-religiosos e anti-clericais (9). A Igreja era vista como uma inimiga do Regime Constitucional, e D. Pedro IV não hesitaria, segundo expressão sua, em «excitar» um cisma com a Igreja Católica, rejeitando os bispos nomeados em tempo de D. Miguel e tratando-os como traidores e rebeldes (10).

Depois, foi a expulsão das ordens religiosas (1834), com a desamortização dos respectivos bens (1862-66), a questão das Irmãs da Caridade (1861), as interferências contínuas do governo liberal nas questões da Igreja, tudo sujeitando a Avisos Régios, regulando o toque dos sinos nas igrejas (1865), determinando as côngruas paroquiais (1868), rejeitando a confirmação da nomeação de novos bispos e pretendendo fazer uma redivisão das dioceses. E não falemos nos agravos a bispos e sacerdotes nem nos desacatos em igrejas e celebrações religiosas.

Não se esqueça tão pouco que o anti-clericalismo era activado quer por liberais exaltados quer pela maçonaria emergente que, a partir de 1865, reorganizava o Grande Oriente Lusitano.

Da Europa chegavam também os ventos do positivismo e do evolucionismo científico que criavam condições favoráveis ao racionalismo e a ideologias materialistas que, nas camadas mais cultas, semeavam o ateísmo e a descristianização.

Do ponto de vista da Igreja, temos de referir a impreparação do clero, enredado nas lutas políticas, sobretudo a sua defeituosa distribuição no Norte e no Sul, o controle das admissões às ordens sacras e a erosão na vida do clero paroquial, agora desamparado sem a ajuda dos padres religiosos que, afinal, eram os verdadeiros mentores da devoção popular. Por tudo isto, as populações cristãs sentiam-se religiosamente mal servidas e, também elas, acusavam o recuo da prática religiosa frente a uma liturgia rotineira, com textos incompreensíveis em latim, e sem o alimento duma pregação doutrinalmente segura e devocionalmente fervorosa.

No séc. XX, logo no princípio, a propaganda republicana veio agravar a situação da Igreja, tanto mais que os próceres do republicanismo identificavam as preocupações da Igreja com os interesses da Monarquia. Implantada a República, 19 LO, logo Afonso Costa, por decreto de 8/X/1910, restaurava as leis de Pombal contra os jesuítas e do «Mata-Frades» contra os outros religiosos. A Pastoral Colectiva do Episcopado Português (24/XII/1910), publicada em Fevereiro de 1911, atiçou o furor anti-clerical com as perseguições a bispos e sacerdotes, insultos à Religião e desacatos nas igrejas, apressou o aparecimento da Lei da Separação (20/IV/1911) pela qual, como dizia Magalhães Lima, «dentro de alguns anos não haverá quem queira ser padre em Portugal: os seminários ficarão desertos». Por sua vez, Afonso Costa, logo em 24/IV/1911, proclamava em Braga, com ênfase de pitonisa, que o catolicismo acabaria em Portugal dentro de duas ou três gerações (11). Seria, então, o triunfo do laicismo sobre o clericalismo.

Nestas condições, a prática religiosa decaiu muitíssimo e a participação nos actos de culto era para os cristãos mais fiéis um verdadeiro acto de coragem. Historicamente, só a partir da revolução de Sidónio Pais (5/XII/1917) é que o catolicismo começaria a recompor-se ganhando liberdade e pujança após a revolução de 28/V/l 926.

Num estendal de tanto depauperamento religioso, as devoções, sobretudo marianas, como vamos ver, forneciam aos cristãos um mínimo de amparo, consolação e esperança.

2º A devoção a Nossa Senhora nos sécs. XIX e XX

Em Portugal, o séc. XIX foi também um século marcadamente mariano, e o patrocínio de Maria, nas horas amargas da descristianização de muitos e desânimo de tantos, aparecia como uma tábua de auxílio e salvação. Talvez por isso, passada a borrasca das invasões francesas, Dom João VI, ainda no Brasil, lembrando-se do auxílio de Maria a quando das guerras da Restauração, fundou a Ordem Militar da Imaculada Conceição.

Mas o que realmente iria vir ao de cima, como alma espiritual da nação, seria a devoção popular. Ora, na realidade, toda a devoção popular, e também a mariana, assenta fundamentalmente em três coordenadas essenciais: Fé, Confiança, Alegria.

2.1 – Pela Fé, o povo adere às grandes verdades da religião católica. No que respeita a Nossa Senhora, essas verdades relacionam-se com a Maternidade Divina e virginal, Assunção ao Céu e Imaculada Conceição. Forçoso é reconhecer que em Portugal nunca houve heresias dogmáticas nem o protestantismo conseguiu impor-se na recusa do culto à Virgem Maria. Mas se Portugal tinha já uma especial e oficial (provisão do rei D. João IV, 25/111/1646) devoção e crença na Imaculada Conceição, elas ampliaram-se com a definição desse dogma (8/XII/1854). E se os bispos portugueses quase não puderam associar-se em Roma à sua proclamação, não deixaram, todavia, de o expor e incrementar nos fiéis por meio de pastorais sobre o tema (13). O arreigamento da fé do povo a este dogma bem o demonstra a curiosa inscrição da capela da Senhora do Pinheiro na cidade à Virgem: Corruet iste I locus Pini: Conceptio vero, I cum unda dabit flammás, I et dabit ignis aquas. IMDCCLVH /.

A devoção mariana foi sendo incrementada em novenas, tríduos e sermões populares e ainda por meio de escritos sobre as aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré na rua Du Bac, Paris (1830), aos meninos de La Salette (1846) e sobretudo a Santa Bernardete em Lourdes (1858). Estas, confirmando no imaginário popular o dogma da Imaculada Conceição, provocaram de igual modo entre nós uma onda de devoção mariana com as peregrinações a Lourdes e a piedade de Nossa Senhora de Lourdes a traduzir-se na construção de altares e imagens e na difusão da reza do Terço (14).

Pode mesmo dizer-se que, entre nós, no último quartel do séc. XIX, a devoção mariana se sobrepôs aos actos litúrgicos do culto católico dando-lhes um suporte mais vistoso e concorrido.

O séc. XX começou com a crise da Monarquia e a Implantação da República (5/X/1910). Na balbúrdia política que se lhe seguiu e com o flagelo da Grande Guerra, 1914-18, em que Portugal acabou por participar, as aparições de Maria aos três pastorinhos de Fátima na Cova de Iria (13/V/1917) provocaram um enorme impacto na vida religiosa do povo português e estão na origem do revigoramento da fé e da prática católicas. Depois do fenómeno de Fátima, a história do catolicismo em Portugal tomou rumos mais sentidos e alargados, e a devoção a Nossa Senhora de Fátima tornou-se o catalizador da vida religiosa do nosso povo. Centro religioso da nação, Fátima guindou-se, também, como altar religioso do mundo. As peregrinações multiplicaram-se, os milagres físicos e sobretudo morais, ali realizados, incentivaram a fé de muita gente, a vida cristã revigorou-se com as viagens da Virgem Peregrina pelo país e pelo mundo, e Portugal reencontrou-se como «Terra de Santa Maria». No contexto das nações cristãs, Portugal pode, por isso, cotar-se como o país mariano por excelência (15); e vem já do tempo dos Descobrimentos, o seu contributo para a expansão do culto de Nossa Senhora para a África, Oriente e Brasil por meio dos missionários e colonos.

2.2 – Pela confiança, o povo cristão acredita na protecção e intercessão da Virgem Maria e dos Santos junto de Deus. Deste modo, a confiança religiosa é como que a mola accionadora da religiosidade popular e a sua expressão mais concreta, às vezes mesmo a resvalar para a superstição. Pelo seu temperamento sentimental, o povo português manifesta particular confiança em Nossa Senhora porque, sendo mãe de Jesus, vê-a igualmente como mãe dos homens. Neste aspecto, como que esquece e relega para segundo plano a prerrogativa da Virgindade para lhe realçar a condição maternal. Maria é a mulher mãe, a mãe das nossas mães, em quem, como que por antonomásia, se procuraram e encontram as virtudes e qualidades que procuramos na mãe da terra. Daí as múltiplas invocações com que o povo se lhe dirige para cativar as suas graças e bênçãos, o seu carinho e protecção. Mas o que é curioso notar é que as invocações e títulos dados a Nossa Senhora têm sempre uma dimensão funcional. Numa perspectiva antropológica diríamos, sem precisar de recorrer ao tópico paralelo e explicativo da Deusa-Mãe dos pagãos (17), que, como a mãe biológica, também a Mãe de Jesus está continuamente presente na vida dos homens crentes enquanto paradigmático modelo de todas as atitudes maternais para o bem do corpo e da alma, para a saúde e para a doença, na pátria e na emigração. Seria fastidioso e quase impossível enumerar a longa teoria de invocações a Nossa Senhora nos sécs. XIX e XX, muitas já vindas dos séculos anteriores. O Pe. Jacinto dos Reis, em 1967, sem ser exaustivo, coligiu 972 títulos ou invocações marianas em igrejas, altares e imagens (18).

Para além disto, temos de assinalar uma espécie de geografia mariana, bastante diferenciada, em que o nome de Nossa Senhora aparece associado a freguesias e cidades, serras e montes/campos e vales, cobrindo a paisagem portuguesa de norte a sul, do interior montanhês à orla marítima. É a Nossa Senhora das Alcáçovas, da Aldeia, do Cabo, do Caminho, do Castelo, da Lapa, do Monte, da Penha, da Rocha, da Serra, também feita dona e Senhora da Abadia, da Aguda, de Aires, do Almurtão, da Arrábida, da Atalaia, da Franqueira, do Monte Alto, do Porto de Ave, do Salto, do Sameiro, de Vila Viçosa, de Fátima.

Ligada a hierofonias, mais ou menos lendárias, também lhe chamam Senhora da Aparecida e, relacionando-a com lugares estrangeiros privilegiados pela Mãe de Jesus, invocam-na ainda como Senhora de Araceli, Begonha, Guadalupe, Lurdes, Monserrate, Penha de França, Pilar, La Salette, Rocamador, Vandoma. Mas as gentes ribeirinhas e da beira-mar manifestam-lhe particular devoção e recorrem a ela como Senhora das Areias, da Ajuda, da Bonança, do Desterro, da Guia, do Livramento, da Luz, das Ondas, do Socorro, da Boa Viagem.

Por sua vez, o povo do campo pede-lhe protecção para as fainas agrícolas e dirige-se-lhe como Senhora dos Alpendres, da Azenha, do Campo, das Eiras, das Ervas, do Castanheiro, da Oliveira, da Vinha, da Veiga, da Seca.

As mulheres, como que por homeopatia, socorrem-se dela como Senhora do Alívio, da Expectação ou do Ó, da Hora, do Leite, do Parto.

E todos, afinal, a invocam como Senhora dos Aflitos, da Agonia, da Alegria, do Amparo, das Angústias, da Boa Morte, da Boa Sorte, do Bom Sucesso, da Consolação, das Dores, da Fortuna, das Graças, das Mercês, das Necessidades, da Paz, da Piedade, dos Prazeres, dos Remédios, da Saúde, das Virtudes, das Vitórias, da Cabeça, da Vista. Haveria ainda a acrescentar outros títulos de carácter litúrgico: Senhora da Apresentação, da Purificação, das Candeias, da Anunciação, da Visitação, da Natividade, das Neves, da Assunção, da Conceição. Por tudo isto se vê, como dizia Pio XII, que «Maria é um elemento essencial na vida cristã» (Radiomensagem ao povo argentino, 12/VIII/1947). E assim se compreende porque é que, na época moderna, a devoção do povo cristão tenha agregado e como que concentrado no culto de Maria, Mãe de Jesus, o culto de outros santos: Nossa Senhora do Leite atraiu o culto de S. Mamede, Nossa Senhora da Saúde o de S. Sebastião e S. Roque, Nossa Senhora da Ajuda o de S. Pedro (zonas piscatórias), Nossa Senhora da Vitória o de S. Jorge, Nossa Senhora da Boa Morte, do Carmo, do Rosário, o culto de S. Miguel, o anjo psicopempo. Também se vê porque é que o culto de Maria, por paralelismo e como co-redentora, tenha sido ligado ao culto de seu filho Jesus Cristo como Senhora da Agonia, do Calvário, do Desterro, da Piedade, da Soledade (19).

Mas resta ainda salientar a força propulsora de certas ordens e congregações religiosas na devoção a Nossa Senhora. Em Portugal, o culto de Maria nas épocas moderna e contemporânea foi activado principalmente no que toca à Senhora do Rosário pelos dominicanos; os franciscanos promoveram o da Senhora da Conceição e dos Anjos; os padres carmelitas o da Senhora do Carmo, os redentoristas o da Senhora do Perpétuo Socorro, os lazaristas o da Senhora das Graças e dos Apóstolos, os salesianos o de Nossa Senhora Auxiliadora, os hospitaleiros de S. João de Deus o da Senhora do Patrocínio, os monfortinos o de Nossa Senhora, Rainha dos Corações, e os espiritanos e claretianos o do Imaculado Coração de Maria.

Refira-se ainda o movimento da Senhora dos Caminhos, impulsionado pela Mocidade Portuguesa Feminina entre os anos 1940-60 que levou à erecção de muitos nichos marianos à beira das estiadas e encruzilhadas dos caminhos.

Todas as invocações a Nossa Senhora se materializam em medalhas, em santinhos ou registos que recordam santuários, igrejas e imagens, e têm expressão na arte, na numismática, nos selos do correio ou filatelia e até no romanceiro e canções populares, em que o nosso povo se mostra tão inspirado como devoto. Haveria ainda que referir a influência de títulos de Maria na própria onomástica, na medida em que ela é um óptimo instrumento de aferimento dos gostos, tradições e devoções de cada tempo. Com razão o povo cita o prolóquio: «Mal vai à casa que leva à pia e não tem Manuel ou Maria». Eis a razão por que Nossa Senhora é também escolhida para Madrinha e tratada como Comadre e Madrinha.

Por último, seria também de analisar o lugar de Nossa Senhora na paremiologia do povo, rica de rifões e ditados como este: «Fia-te na Virgem e não corras» e na súplica: «Valha-me Nossa Senhora».

Mas a confiança religiosa traduz-se sempre em atitudes e práticas de piedade ou devoção. Nos sécs. XIX e XX, eram práticas gerais o toque das Trindades ou Angelus, que marcava religiosamente o ritmo de trabalho, e a reza do Terço, à noite, em família, como oração para-litúrgica vespertina. Infelizmente, com a secularização da vida moderna, estas práticas entraram em crise e estão a desaparecer mesmo entre a gente rural. Há, todavia, que realçar as práticas que assumiram certo carácter de novidade:

— «Arquiconfraria do Santíssimo e Imaculado Coração de Maria pela conversão dos pecadores». É uma congregação mariana que veio de França, da Igreja de N.a das Vitórias, Paris, onde o pároco, num momento de desalento, resolveu estabelecer uma confraria de afervoramento (3/XII/1836). O papa Gregório XVI, em 1838, elevou-a a Arquiconfraria com faculdade de agregar outras confrarias, muito desejando «uma confraria do SS.mo Coração de Maria em todas as igrejas do orbe católico. Em Portugal, ela estabeleceu-se primeiro em Lisboa, mosteiro da Encarnação, mas já em 1845, estava no Porto, igreja dos Congrega- dos, dando-se em 1846 a sua instituição canónica. Nela muito trabalhou o leigo Alexandre José da Silva d’Almeida Garret, irmão do político e poeta Almeida Garret, a quem, aliás, várias vezes solicitou ajuda para o estabelecimento desta sua devoção (25). De facto, a Arquiconfraria era combatida pelos liberais do Porto como «conspiração miguelista». Para esta instituição nascente foi causa de terror o atentado sacrílego na igreja dos Congregados, (8/111/1846) atiçado por artigos publicados no periódico «A Coolisão». E logo que nesse ano rebentou a revolta da Maria da Fonte, esses mesmos inimigos propalaram que ela era «movida e sustentada com grossas somas da nascente arquiconfraria (26). Da igreja dos Congregados, a Arquiconfraria passou para a dos Carmelitas (1851) e fixou-se na de S. Bento da Vitória (1853) sob a direcção do egresso beneditino Pe. Baltasar Veloso de Sequeira. Accionou todo um vasto movimento de fervor mariano que cativou muita gente no Porto e no norte e centro de Portugal. De 1846 a 1869 muitos congregados, sacerdotes e leigos, promoviam a arquiconfraria em 165 lugares, cidades e freguesias, alguns com vários elementos propagandistas (Porto 26, Covilhã, 14, Bragança 6, Penafiel e Viseu 5, Lamego e Póvoa do Varzim 4, Angra, Braga, Guimarães 2). Foram milhares os congregados de S. Bento da Vitória (20000 em 1852, 100 000 em 1898). E foi, de facto, a partir da Arquiconfraria mariana de S. Bento da Vitória que o célebre Pe. Martinho se inspirou para a actividade mariana em Braga (1849) que o levaria à empresa da construção do santuário do Sameiro. Muitas confrarias filiais se fundaram noutras terras e até no Rio de Janeiro (27). A arquiconfraria de S. Bento da Vitória tornou-se paladina da introdução de novas devoções marianas. Lá se levantaram altares com imagens da Senhora de Lurdes (1878) e de La Salette (1861). A dita arquiconfraria associou a si a «Congregação de Maria SS.ma Imaculada e S. Luis» (1876) para rapazes, a «Pia União das Filhas do Sagrado Coração de Maria» (1894) para senhoras, a «Congregação da SS.ma Virgem é de Sua Sagrada Família» (1898) para operários, e a «Associação de Nossa Senhora de Lurdes» (1896). Com as suas reuniões mensais de piedade (confissão e comunhão dos congregados), com o exercício dos primeiros sábados, com a Lausperene mensal, com a reza do Terço e Hora Santa, com as novenas preparatórias das festas, com a solenidade das missas cantadas e os sermões entusiasmantes, a Arquiconfraria introduziu um suplemento de alma e de fervor na vida religiosa. E assim, com enorme participação e generosa colaboração, todo este exército mariano de fé tinha a sua festa maior, soleníssima, no último domingo de Agosto, próximo à solenidade litúrgica do Imaculado Coração de Maria. Alberto Pimentel fala com entusiasmo e admiração desta Arquiconfraria, que ele bem conheceu e frequentou, mas que hoje está moribunda.

— «O mês de Maria». Prática de piedade mariana de grande impacto popular foi importada em meados do séc. XIX e deve muito a sua divulgação à Arquiconfraria de S. Bento da Vitória. Como devoção para-litúrgica, permitia aos leigos um certo dinamismo e criatividade. Sobrepôs-se às próprias celebrações litúrgicas pelo uso da língua vernácula, pela participação activa dos leigos, pela beleza e sensibilidade dos cânticos, pelo afervora- mento das pregações e pela força mobilizadora dos exemplos que as complementavam. Só para avaliar a importância do Mês de Maria ou de Maio, bastaria elencar o número de publicações sobre o tema desde 1845 a 1977. Contámos 34 obras, estrangeiras e portuguesas, algumas com várias edições; desde a de Madame Sablons, 1845, a do Pe. Martinho, 1859 com 7 edições, a do Muzzarelli, 1874. Até leigos, como Alberto Pimentel e o Conde de Samodães, ensaiaram escrever um Mês de Maria (30).

José Régio deliciou-se a descrever os encantos do Mês de Maria dos seus tempos de infância, mesmo adentro da casa paterna (30).

Havia também o mês de Outubro, consagrado à devoção do Rosário e Terço e que ainda perdura mas com menos solenidade e participação. Foi o papa Leão XIII que consagrou a devoção do mês de Outubro como mês do Rosário, depois de ter consagrado, de 1891 a 1898, oito encíclicas à reza do Rosário e do Terço.

O Mês de Fevereiro em honra de Nossa Senhora, por causa das aparições de Lurdes, foi igualmente ensaiado mas não teve grande aceitação.

Pela alegria, o povo cristão é levado a celebrar Nossa São as festas da Virgem, em princípio, coincidentes com as datas das principais festas litúrgicas. Mas a religiosidade popular prefere puxá-las para o período de Verão por causa das condições do tempo e também para dar oportunidade aos emigrantes que regressam às suas terras em gozo de férias. Em algumas zonas, afectadas pelo fenómeno da emigração, até já se celebra a festa da Senhora dos Emigrantes.

As festas religiosas são para o povo uma ruptura com o quotidiano laborioso e preocupado, a afirmação da sacralidade do tempo, a possibilidade do encontro pessoal e comunitário com Deus e os santos, uma antecipação gozosa do Reino de Deus. As festas de Nossa Senhora são celebradas sempre com grande fervor e entusiasmo, sobretudo de Maio a Outubro. Embora inicialmente ligadas às celebrações marianas do Ano Litúrgico, hoje muitas estão deslocadas, mas todas enaltecem um título ou invocação em que Maria aparece como garantia de «libertação proléptica». O ponto de concentração festiva é a igreja paroquial, a ermida ou capela fora do povoado, o santuário alcandorado no alto dos montes e castelos onde se está mais defendido e próximo do céu.

— Os santuários marianos. Como dizia Christian, «os santuários são estações transformadoras de energia: lugares precisos da transformação da energia divina para utilização humana e de transformação de energia humana para propósitos divinos». Deveríamos distinguir nacionais e diocesanos.

I — Santuários nacionais. Portugal apresenta uma trilogia de santuários marianos nacionais na época moderna.

Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Em pleno Alentejo, é o mais antigo, devido à consagração da Pátria à Imaculada Conceição feita pelo rei João IV, 1646, após a Restauração. Recebe peregrinações de todo o país, nas quais sobressai a nota nacionalista. Em 28/IV/1935, encerramento do Ano Santo da Redenção, em 29/X/1946, encerramento do II Congresso Nacional Mariano, teve duas grandes peregrinações nacionais com a presença dos prelados portugueses. Teve também a visita de João Paulo II em 14/V/1982. As peregrinações diocesanas são a 8/XII, festa principal, e nos primeiros sábado e domingo de Maio.

Nossa Senhora da Conceição do A 10 Km de Braga, é obra da iniciativa do Pe. Martinho António Pereira da Silva (+ 1875), grande devoto de Maria. Para perpetuar o dogma da Imaculada Conceição, levantou uma coluna com a imagem da Virgem (1863) e promoveu a primeira peregrinação em 29/VIII/1869. A igreja estava pronta em 1890, recebendo a imagem da Imaculada Conceição (Senhora do Sameiro) benzida  por Pio IX em 22/XII/1876 e coroada em 12/VI/1964 (34). João Paulo II visitou-o em 15/V/1982. Elevando-se sobre uma paisagem maravilhosa, é um íman de atracção sobretudo para as gentes do Minho. As peregrinações anuais são no 1.° domingo de Junho e no último de Agosto.

Nossa Senhora de Fátima. Recorda as aparições da Senhora aos 3 pastorinhos, de 13 de Maio a 13 de Outubro de Fátima, no coração de Portugal, é o altar do mundo. Dali irradiou para o nosso tempo uma mensagem de oração e penitência que levou a imagem da Senhora em peregrinação pelo país e pelo mundo. Incrementou a reza do Terço, promoveu a devoção dos 5 primeiros sábados e procurou a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria. Por provisão do bispo de Leiria, 13/X/1930, as aparições de Fátima foram declaradas dignas de fé e autorizado oficialmente o culto de Nossa Senhora de Fátima. O papa Pio XII, extremamente sensível à mensagem de Fátima, consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria (31/X/1942).

A Basílica de Fátima, iniciada em 1928, sagrada em 7/X/1953, foi agraciada com a Rosa de Ouro por Paulo VI, 21/XI/1964. Paulo VI (1967) e João Paulo II (1982) vieram aqui como peregrinos presidindo às grandes peregrinações do 13 de Maio. Aliás, todos os dias 13, de Maio a Outubro, vêm chegar a Fátima centenas de milhares de peregrinos de todo o mundo numa assombrosa e electrizante manifestação de fé, oração e penitência. Entre os actos de piedade institucionalizada, e decalcando Lurdes, há que destacar a Vigília nocturna de 12 para 13, com procissão de velas, a missa da peregrinação, a benção dos doentes e o comovedor adeus à Virgem. Para propagar a mensagem, o santuário publica o mensário «Voz de Fátima», dirige a Associação dos Cruzados de Fátima e a Pia União dos Servitas de Nossa Senhora de Fátima e mantém serviços de assistência e difusão (35).

II — Santuários diocesanos e outros centros de devoção mariana. No constelado terreno mariano português avultam em todas as dioceses do continente algumas igrejas ou centros de devoção que exercem certa influência regional e local. Para cada diocese, apre- sentaremos agora uma breve resenha cartográfica, naturalmente incompleta:

Diocese do Algarve: Senhora da Piedade (Mãe Soberana) em Loulé, com a «escalada do monte» e o andor da Virgem entre aplausos, no 2.° domingo de Páscoa; Senhora da Rocha, Porches, centro de devoção para as gentes do mar; Senhora do Pé da Cruz, Estói, com a folclórica Festa da Pinha nos primeiros dias de Maio.

Diocese de Aveiro: Nossa Senhora de Vagos, Senhora do Socorro em Albergaria a Velha, Senhora do Amor Admirável em Ílhavo, Nossa Senhora Auxiliadora de Mogofores.

Diocese de Beja: Nossa Senhora da Graça, Beleizão, chamada a «santinha milagrosa»; Senhora de Guadalupe, Serpa; Senhora das Relíquias, Vidigueira; Senhora da Rosa, Cuba; Senhora das Dores, Santiago do Cacem; Senhora das Salvas, Sines; Senhora de Araceli, entre Mértola e Castro Verde, coração religioso da diocese de Beja com festa a 2 de setembro.

Arquidiocese de Braga: Além da Senhora do Sameiro, Senhora da Abadia, Amares; Senhora do Livramento, Vilar, Terras de Bouro; Senhora da Penha e Senhora da Lapinha, Guimarães; Senhora da Franqueira, Barcelos; Senhora da Aparecida, Balugães; Senhora do Porto d’Ave, Póvoa de Lanhoso; Senhora do Carmo, Lemenhe — Famalicão; Senhora da Fé, Vieira do Minho; Senhora da Saúde, Laundos; Senhora da Assunção e Senhora das Dores, Póvoa do Varzim; Senhora da Guia e Senhora do Socorro, Vila do Conde; Senhora do Bom Despacho, Cervães; Senhora do Alívio, Soutelo — Vila Verde; Senhora do Antime, Fafe (36).

Diocese de Bragança Miranda: Nossa Senhora das Graças, Bragança; Senhora de Balsamão, Chacim, Senhora da Assunção, Vilas Boas — Vila Flor; Senhora da Serra, Rebordão; Senhora do Nazo; do Caminho, Mogadouro; Senhora dos Remédios, Tuizelo — Vinhais; Senhora da Ribeira, Quintanilha; Senhora do Viso, Serapicos; Imaculado Coração de Maria, Cerejais — Alfândega da Fé; Nossa Senhora dos Montes Ermos, Freixo de Espada à Cinta; Nossa Senhora da Assunção, Moncorvo.

Diocese de Coimbra: Senhora do Bom Sucesso, Soure; Senhora da Encarnação, Buarcos; Senhora da Tocha; Senhora das Vitórias, Montemor-o-Velho; Senhora das Preces, Aldeia das Dez; Senhora da Piedade, Tábua e Lousa; Senhora do Parto, Pampilhosa da Serra; Senhora do Monte Alto, Arganil; Senhora da Natividade, Luso e Vila Nova de Poiares; Senhora do Pranto, Dornes; Senhora da Guia, Avelar; Senhora do Cardai, Pombal.

Arquidiocese de Évora: Além da Senhora de Vila Viçosa, Nossa Senhora do Castelo, Coruche; Senhora da Boa Nova, Terena — Alandroal, referida nas Cantigas de Santa Maria; Senhora das Brotas, Mora; Senhora da Visitação, Montemor-o-Novo; Senhora de Aires, Viana do Alentejo, famosa no Baixo Alentejo com duas peregrinações anuais; Senhora do Carmo, Agarifa — Évora (37).

Diocese da Guarda: Senhora da Póvoa, Penamacor; Senhora da Ajuda, Malhada Sorda — Almeida; Senhora das Dores, Paul — Covilhã; Senhora do Carmo, Teixoso — Covilhã; Senhora do Incenso, Penamacor (38).

Diocese de Lamego: Nossa Senhora dos Remédios, celebérrima romaria a 8 de Setembro; Senhora da Lapa; Senhora de Cárquere; Senhora da Piedade, Armamar; Senhora da Ajuda, Vila da Ponte; Senhora da Ouvida, Monteiras — Castro d’Aire; Senhora da Paz, Vila Cova à Coelheira — V. N. de Paiva; Senhora da Veiga, V. N. de Foz Coa.

10° Diocese de Leiria: Além do Santuário de Fátima, Nossa Senhora do Fetal, Batalha; Senhora da Encarnação, Leiria.

11° Patriarcado de Lisboa: Nossa Senhora da Luz, Carnide; Senhora da Rocha, Carnaxide; Senhora da Merceana, Olhalvo — Alenquer; Senhora da Nazaré, Sítio — Nazaré; Senhora dos Remédios, Peniche, para além dos monumentos nacionais de Santa Maria de Belém e de Alcobaça.

12° Diocese de Portalegre Castelo Branco: Senhora da Penha Portalegre e Castelo de Vide; Senhora do Almurtão, Idanha-a-Nova; Senhora dos Remédios, Sertã e Ponte de Sor; Senhora de Mércules, Castelo Branco; Senhora da Piedade e da Serra, Castelo de Vide; Senhora da Estrela, Marvão, Senhora da Flor da Rosa, Crato.

13° Diocese do Porto: Senhora da Vandoma, da Silva e da Lapa, Porto; Monte da Virgem, N. de Gaia; Senhora das Neves, Azurara; Senhora das Dores, Trofa; Senhora da Assunção, Santo Tirso; Senhora do Castelinho, Marco de Canavezes; Senhora do Salto, Aguiar de Sousa; Senhora dos Chãos, Bitarães; Senhora da Aparecida, Torno — Lousada; Senhora do Pilar, Paços de Ferreira; Senhora da Saúde, Carvalhos; Senhora da Mó, Arouca; Senhora de La Salete, Oliveira de Azeméis; Senhora da Saúde, Castelões — Vale de Cambra (39).

14° Diocese de Santarém: Nossa Senhora da Saúde, Santarém; Senhora da Piedade, Santarém e Tomar.

15° Diocese de Setúbal: Senhora do Bom Sucesso, Cacilhas; Senhora da Boa Viagem, Moita do Ribatejo; Senhora de Tróia, Comporta — Alcácer do Sal; Senhora da Arrábida, Azeitão; Senhora da Atalaia, Montijo; Senhora do Cabo, Cabo Espichel — Sesimbra.

16° Diocese de Vila Real: Senhora da Graça, Mondim de Basto; Senhora das Candeias, Canelas do Douro; Senhora da Piedade, Sanfins do Douro; Senhora da Cunha, Alijo; Senhora da Azinheira, Martinho d’Anta e Outeiro Seco; Senhora do Viso, Fontes — Sta. Marta de Penaguião; Senhora da Saúde, S. Lourenço — Sabrosa, Valpaços, Vilar de Perdizes, Viade, S. Pedro de Agostém; Senhora da Livração, Boticas.

17° Diocese de Viana do Castelo: Senhora do Minho, Serra d’Arga; Senhora da Agonia, Viana; Senhora da Vinha, Areosa; Senhora das Neves, Mujães e Correlhã; Senhora do Carmo e das Neves, Castelo de Neiva; Senhora da Boa Morte, Correlhã; Senhora das Rosas, Vila Franca; Senhora da Bonança, Vila Praia de Âncora; Senhora da Paz, Barrai — Ponte da Barca; Senhora da Peneda, Gavieira — Arcos de Valdevez (40).

18° Diocese de Viseu: Senhora do Castro, Viseu; Senhora Dolorosa, Ribeiradio; Senhora da Graça, Fornos de Algodres; Senhora dos Milagres, Muxagata; Senhora do Castelo, Vouzela e Mangualde; Senhora da Saúde, Várzea de Lafões; Senhora da Conceição, S. Pedro do Sul; Coração de Maria, Castelões.

Posto este breve e selectivo elenco de santuários e igrejas marianas com alcance diocesano ou regional, vamos agora fazer a tipologia das respectivas festas.

Tipologia das festas marianas. As festas de Nossa Senhora não escapam à estandartização que se verifica nas outras festas religiosas: Peregrinações, Romarias, Festas de igreja, Festas mistas.

1 ° Peregrinações — São essencialmente viagem de fé a santuários de reconhecida celebridade. Em datas certas, esses santuários recebem a visita dos fiéis. Mas há peregrinações nacionais, Fátima, Sameiro, Vila Viçosa, e diocesanas, regionais, arciprestais ou de vigararias e até de freguesias ou outras instituições. Nelas, predomina sempre o carácter espiritual, pelo que os cristãos devem preparar-se pela confissão, associar-se à procissão quando ela se organiza (Penha, Franqueira, Monte da Virgem), participar na santa missa, comungar e fazer as suas devoções e até cumprir promessas. Como se inserem na pastoral da fé, nestas peregrinações o festivo e lúdico é superado pelo espiritual e vivencial.

Romarias — São festas de carácter mais alegre, cuja nota original era a caminhada até à igreja ou Com P. Sanchis (41) distinguimos dois tipos: a romaria aldeã, bem localizada no espaço da freguesia, e a regional, de dimensão alargada às vizinhanças: Senhora da Peneda, da Abadia, do Porto d’Ave, da Nazaré, do Cabo, de Aires, da Rocha. Em princípio, a romaria faz-se em dia fixo e a sua organização está a cargo da respectiva confraria ou irmandade. Os seus elementos estruturais são a igreja ou capela, a romagem, o romeiro, os actos de culto (missa, sermão, procissão, promessa).

Para a mente dos crentes, as romarias funcionam como «isótopos» do divino. Por isso, a imagem da Senhora é o centro das atenções e todos procuram vê-la e tocá-la. Mas o cumprimento da promessa, porque acto de fé, é a pedra de toque da autenticidade religiosa da romaria, o momento psicológico mais importante para o romeiro. Ele não deixará de rezar diante da imagem e lhe oferecerá rigorosamente aquilo com que se comprometeu quando se «apegou» com Nossa Senhora. No altar ou na casa das promessas ou milagres apresentará o dinheiro, as velas, círios com a altura da pessoa, brandões com o seu peso, ex-votos esculturais de cera ou pintura, retratos, mortalhas, vestidos de noiva, muletas, objectos de ouro, frutos, cereais, animais. Muitas vezes a promessa reveste aspectos dolorosos, dias de caminhada a pé, em silêncio, ser levado em caixões, apresentar as crianças no altar da Virgem (Senhora da Rosa, Cuba), e até exageradas atitudes penitenciais, quase de «masoquismo», como dar voltas de joelhos à capela rezando o Terço, ou andar a pé centenas de quilómetros.

Algumas romarias marianas estão ligadas à vida das gentes do mar e, por isso, o andor da Senhora tem de ser levado até ao mar para o abençoar (Senhora da Bonança, Vila Praia de Âncora, Senhora da Assunção e das Dores, Póvoa de Varzim, Senhora da Nazaré, Senhora da Boa Viagem, Peniche, Senhora do Cabo Espichei, Senhora das Salvas, Sines, Senhora da Rocha, Loulé). Outras relacionam-se com a vida da gente do campo e das montanhas (Senhora da Peneda, da Lapa, dos Remédios, de Aires, de Guadalupe, Serpa, que até leva na mão molhos de espigas, símbolo da riqueza cerealífera alentejana, Senhora da Piedade ou Mãe Soberana, Loulé, com a entusiasmante «escalada do monte».

Por causa da caminhada e para descanso dos romeiros ou para os albergar, quando vêm participar nos tríduos e novenas preparatórios da festa, junto de alguns santuários ou capelas não faltam os «quartéis» ou pousadas (Senhora da Peneda, do Cabo Espichei, das Brotas).

As romarias têm na procissão o seu momento mais solene, em que o bom romeiro não deixará de se incorporar atrás do andor da Senhora. De facto, em algumas romarias, são autênticas obras de arte os andores engalanados, com vários metros de altura, levados por dezenas de homens (Senhora das Dores, Trofa; Senhora da Aparecida, Torno) ou até puxados em carros de bois, como acontece com o andor da Senhora dos Remédios, Lamego, na Procissão do Triunfo. Às vezes, a procissão é um autêntico desfile de imagens de Maria, sob várias invocações (Senhora da Assunção, Póvoa; Senhora do Socorro, Vila do Conde) e abrilhantada com centenas de anjinhos e figurantes de quadros bíblicos marianos. O povo crente nunca se esquecerá de levar a estampa ou registo da Senhora, como recordação da romaria e garantia de participação «metacinésica» nas suas bênçãos e graças.

Recolhida a procissão, a romaria vira arraial e o adro torna-se espaço de divertimento, de comes e bebes. É por isso que, em algumas romarias, as feiras são um elemento de complementaridade (Senhora da Agonia, Viana do Castelo; Senhora do Porto d’Ave = Feira dos melões; Senhora das Dores = Feiras novas, Ponte de Lima; Senhora das Dores = Feira das sementes, Trofa; Senhora da Luz, Carnide — Lisboa).

Os círios extremenhos (42) são uma forma mais religiosa, menos lúdica das romarias. Equivalem às procissões de rogações e aos clamores. Consistem na oferta de círios ou velas de cera a Nossa Senhora para «pagar» promessas que abrangem as freguesias da região. Por isso fazem-se à vez, por turno das freguesias que, anualmente, guardam na sua igreja uma reprodução da imagem da Senhora a quem hão-de levar o círio. E lá vão com anjinhos, bandeiras e música, cantando loas religiosas compostas pelos poetas populares da região. São célebres os «círios» da Senhora da Nazaré, do Cabo, da Atalaia.

Paralela aos Círios e conservando a condição dos clamores é a Ronda da Lapinha, S. Lourenço de Calvos — Guimarães, no domingo entre o Santo António e o São João. A Senhora da Lapinha é considerada no vale de Vizela, a padroeira da agricultura contra a lagarta e a minhoca. A procissão, com milhares de fiéis, sai da Lapinha pelas 13 h., segue pela Penha, Cruz da Argola até à Senhora da Oliveira. Chega ali por volta das 16 h. e descansa até às 17,30 h. Feita a visita à Senhora da Oliveira, onde a imagem deve entrar de costas para não ficar retida, a ronda, com o andor cheio de cachos de uvas e pés de milho, retoma a caminhada por Covas, Tabuadelo, S. Simão e chega à Lapinha pelas 21,30 h. Durante a caminhada, autêntico contra-relógio, toda a gente canta e reza (44).

Festas de igreja — São festas paroquiais orientadas para a promoção espiritual e afervoramento dos fiéis. São, por isso, organizadas por confrarias e organismos de piedade. Contam sempre com pregações, tríduos, novenas, missões, confissões, missa cantada, comunhões gerais, hora de piedade com Terço e procissão. Nelas, o aspecto lúdico está completamente posto de lado; a festa é do espírito. São sobretudo as festas da Senhora do Rosário.

Festas mistas — São a maioria das festas, onde o religioso arrasta o profano que, hoje, quase o absorve. Podem durar vários dias, decalcando alguns elementos das romarias e contando quase sempre com noitada e arraial. A sua organização é geralmente uma grande empresa económica em que há que contar com o bairrismo das populações, o empenho das comissões de festa e a comparticipação das autarquias e outros agentes económicos. Por isso, algumas festas viram festas da cidade, da vila, do concelho. Estão neste caso as festas da Senhora da Agonia, Viana do Castelo; da Senhora das Dores e Santo António, Paredes de Coura; a da Senhora do Faro, Valença; as das Dores, Monção; as das Dores ou Feiras Novas, Ponte de Lima; as de Porto d’Ave, Póvoa de Lanhoso; as dos Remédios, Lamego; as da Nazaré; do Amparo, Mirandela; do Socorro, Régua, etc.

Cada vez mais, nestas festas, se dá a sobreposição do lúdico e desportivo sobre o religioso e espiritual. Daí que o clero tente equilibrar o sagrado e o profano:

– Sagrado: Procissão de velas na vigília, como que a presantificar a noitada, Missa da Festa com Sermão, e Procissão.

– Profano: Lúdico — recreativo: foguetes, fogo-de-artifício, gigantones, bombos, fanfarras, bandas ou conjuntos musicais, ranchos folclóricos, divertimentos.

– Etnográfico-desportivo: cortejos históricos, manifestações de artesanato, festivais de canto, gincanas, corridas, futebol, jogos populares.

– Económico-Social: feiras de gado, cereais e frutos, convívios de crianças, jovens e terceira idade, bodos às crianças e aos pobres.

Como se vê, a festa mista é cada vez mais envolvente. Com o fenómeno da secularização e dessacralização, o religioso corre o risco de ficar submerso pelo profano ou de lhe servir apenas de trampolim.

Conclusão — Neste levantamento rápido ao culto de Nossa Senhora em Portugal na época contemporânea, quisemos manter a serena frieza do historiador, mas não pudemos deixar de extravasar o fervor do crente. Reconhecemos que Portugal importou movimentos e práticas devocionais, mas deu-lhes um tratamento mais caloroso e sentimental. Contudo, é principalmente nas testas, romarias e peregrinações que a devoção mariana atinge o seu clímax/Constatámos que o culto da Virgem Mãe se mantém bastante puro, apesar da dimensão antropológica que a maternidade de Maria suscita nos fiéis. Há, na realidade, entre o povo grande atractivo pelas aparições verídicas e supostas de Nossa Senhora. Ela é invocada na religiosidade popular com alguma crendice contra as tentações malignas, e não faltam orações — ensalmos e esconjuras — em defumadouros para tratar a erisipela, o farfalho das crianças, sezões, coiro ou herpes, para cortar furúnculos, para curar doenças e dores de cabeça, para obter chuva e livrar da praga da lagarta. Todavia, o culto mariano nunca atinge dimensão naturalista duvidosa e supersticiosa (44). Parece, pois, que a visão antropológica da devoção popular a Maria talvez ajude os teólogos a uma melhor e mais englobante compreensão da Mariologia.

O culto de Maria foi decisivo na história dos, nossos dois últimos séculos. Sobretudo depois de Fátima, tornou-se um termómetro do fervor religioso, um sustentáculo da fé. Comove, atrai, motiva, entusiasma. Nos séculos XIX-XX com razão Portugal pode ufanar-se de ser um «Santuário Mariano», verdadeira «Terra de Santa Maria». Crente e confiante, o povo português pode fazer seu hino religioso o «Salve Nobre Padroeira» e proclamar comprometido: «enquanto houver portugueses. Tu serás o seu amor.»

1 SALGADO, Heliodoro — O culto da Imaculada. Estudos críticos e históricos, Porto, Livraria Chardron de Lello e Irmão, editora, 1905.

2 Encíclica «Redemptoris Mater», 25/111/1987. Tradução portuguesa: A Mãe do Redentor, Braga, Editorial A.O., 1987; Cfr.: Orientações parao Ano Mariano (S. Con gregação para o Culto Divino), Braga, Editorial A.O., 1987.

3 ALAMEDA, Santiago — Maria, Segunda Eva, Vitória, Ediciones Estibaliz.

1954; CAMPANA, Emílio — Maria nel culto cattolico, 2 vols., Turim/Roma, 1946; GUTIERREZ, P.C. — El culto litúrgico de Ia Santíssima Virgen, Madrid, 1933; Handbuch der Marienkunde (Eds. Wolfgang Beineret und Heinrich Petri), Regens- burg, Verlag Friedrich Pustet, 1987.

4 SANTA MARIA, Frei Agostinho de — Santuário Mariano e a História das Imagens milagrosas de Nossa Senhora e das milagrosamente aparecidas, em graça dos Pregadores, e dos devotos da mesma Senhora, 10 vols., Lisboa, 1707-1723.

5 A.N.T.T. — Memórias Paroquiais de 1758. Manuscritos com informações sobre as paróquias para o Dicionário Geográfico de Portugal a elaborar pelo Pe. Luís Cardoso.

6 NIZA, Paulo Dias de — Portugal Sacro-Profano, ou catálogo alfabético de todas as Freguesias dos Reinos de Portugal (…), 2 vols., Lisboa, Officina de Manescal da Costa, 1757-68.

7 LEAL, Augusto Barbosa de Pinho; FERREIRA, Pedro Augusto — Portugal

Antigo e Moderno. Dicionário (…), 12 vols., Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira e Companhia, 1873-90.

8 B.P.M. Porto, Ms. 872: Vários papéis (Folha desdobrável, impressa.

9 ALMEIDA, Fortunato de — História da Igreja em Portugal, T. IV, Lisboa, 1922; COUTINHO, B. Xavier —A Descristianização de Portugal no século XIX, Separata de «Miscellanea Historiae Eclesiasticae III», Lovaina, 1970, 359-379.

10 FERREIRA, Mons. José Augusto — Memórias para a História d’um Scisma

(1832-1842), Braga, Livraria Escolar de Cruz & C.a Editores, 1916.

11 OLIVEIRA, Miguel de — História Eclesiástica de Portugal, Lisboa, União Gráfica, 1940, 306.

12 FONSECA, Francisco Belard da — A Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1955.

13 POMBO, P. Ruela — Mariologia Portuguesa (Subsídios: Pastorais dos

Bispos), 2 vols., s/ed., 1955-56.

14 Já em 28/11/1829, Manuel Ramos de Sá, Chantre e Vigário Capitular « Sede Vacante» do Arcebispado de Braga, a propósito da difusão da Bula «Quo graviora mala» de 13/111/1825 do Papa Leão XII sobre a Maçonaria e sociedades secretas, exortava à prática da recitação do Terço nos Domingos à tarde: «He muito louvável a devotissima pratica uzada em algumas igrejas deste Arcebispo de se rezar, ou cantar o Rozario, Terso ou Croa de Nossa Senhora, por isso não posso deixar de recomendar a todos os Reverendos Párocos desta deoseze, fazendo abrir nas tardes dos Domingos e dias santos de guarda as suas igrejas convidando os Povos para hua devoção que se tem mostrado ser muito do agrado dè Deus por se intoarem os Louvores de Sua Santíssima May, por meio deles tem a Igreja triunfado de seos maiores inimigos, e os Portugueses conseguirão grandes vitorias em quanto cheios de devoção se monião com este sagrado escudo para o combate», in Livro de Vizitas, da freguesia de São Salvador do Campo, fls. 76v-77, manuscrito do Arquivo Paroquial de S. Martinho do Campo, Santo Tirso.

15 A Virgem e Portugal (Dir. Fernando de Castro Pires de Lima), 2 vols., Porto,

Edições Ouro, 1955-56;Segundo Congresso Mariano Nacional (Actas); Braga, 1954; Acta Congressus Mariologici-Mariani (Lisboa-Fátima, 1976), 6 vols., Roma, Pontifícia Academia Mariana Internationalis, 1970; BRAGANÇA, Joaquim O. — A devoção dos Portugueses a Nossa Senhora, «Communio», Revista Internacional Católica, Lisboa, Ano IV, n.° 1, 1987, 54-70; COSTA, Avelino de Jesus da Costa —A Virgem Maria Padroeira de Portugal na Idade Média, «Lusitânia Sacra», Lisboa, II, 1957,7-49; LIMA,

  1. A. Pires de; LIMA, F. C. Pires de — Nossa Senhora em Portugal, Porto, Editorial Domingos Barreira, s/d; MARTINS, Mário — Ladainha a Nossa Senhora em Portugal (Idade Média e século XVI), «Lusitânia Sacra», Lisboa, V, 1960/61; OLIVEIRA, Pe. Miguel de — Santa Maria na História e na tradição portuguesa, Lisboa, União Gráfica, 1967; PIMENTEL, Alberto — História do Culto de Nossa Senhora em Portugal, Lisboa, Livraria Editora Guimarães, Libânio & C.a, 1899; REIS, Sebastião Martins dos — As Catedrais portuguesas e a sua dedicação a Santa Maria, Lisboa, 1955; RIBEIRO, Bartolomeu — Ladainha mariana dos portugueses, «Itinerarium», Braga, Ano II, 1956,415-423; SERPA, Gonçalo de — A Virgem da Lusitânia. Historia, Paisagens, Mistérios, Lisboa, Coimbra Editora, 1947. Para outra bibliografia: ANAQUIM, Mons. Manuel — O génio português aos pés de Maria (Bibliografia mariana portuguesa), Lisboa, 1904.

16 BRÁSIO, Padre António — Descobrimentos e Conquistas — Maria, Senhora das Missões, in «Virgem e Portugal», I, 185-224; LIMA, Manuel C. Baptista de — Nossa Senhora na história açoriana, «Atlântida», Angra do Heroismo, 1,1952,144-155, 219-234.

17       CARDAROPOLI, P. Gerardo — // culto delia B. Vergine in relazione ai culto delledee pagane, in «Acta Congressus Mariologici-Mariani», Roma, Vol. IV, 1970,85-108; GENNARO, P. lulianus — De mythistoria in mariologia, Ibidem, 47-61; HERRAN, Rev. Laurentius M. — Hasta que punto se puede admitir influjo dei mito sobre el desenvolvimento dei culto a Ia Virgem Maria, Ibidem, 63-84; GOSTA, Dalila Pereira da — Da Serpente à Imaculada, Porto, Lello e Irmão Editores, 1984.

18 REIS, Pe. Jacinto dos — Invocações de Nossa Senhora em Portugal de Aquém Além-Mareseu Padroado, Lisboa, União Gráfica, 1967.

19 CHRISTIAN, William A. — De los Santos a Maria, «Temas de Anthropologia espanola, Madrid, 1976, 49-106; ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de — O culto de Nossa Senhora no Porto na Época Moderna. Perspectiva antropológica», Revista de História» (Actas do Colóquio «O Porto na Época Moderna»), INIC Centro de História da Universidade do Porto, Porto, II, 1979, 159-173.

20 SOARES, Ernesto — Inventário da Colecção de registos de Santos, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1955, apresenta 1532 registos de Nossa Senhora (02000-

-03532); FERREIRA, Dr. João A. — A figuração de Nossa Senhora em alguns registos portugueses, in «A Virgem e Portugal», II, 965-1002.

21 A Virgem na arte portuguesa. Catálogo da 14ª exposição temporária, Lisboa, Museu de Arte Antiga, 1954; COUTINHO, B. Xavier — Nossa Senhora na Arte, Porto,

1959; FERRÃO, D. Julieta — Nossa Senhora na pintura portuguesa, in «A Virgem e Portugal», II, 869-900; FREITAS, Eugênio de Andrea da Cunha e — A arquitectura mariana em Portugal, Ibidem, 953-964; GONÇALVES, Padre A. Nogueira — Nossa Senhora na escultura portuguesa, Ibidem, 905-952; REIS-SANTOS, Luis — Santa Maria na Arte Portuguesa, in «Fátima, Altar do mundo», I, 291-410.

22 REIS, Pedro Batalha — O culto de Nossa Senhora da Conceição na Numis mática, «Brotéria», Vol. XLII, fase 6, 1946.

23       MOREIRA, An tero Pach eco — C ancioneiro da V irgem , Porto, Livraria

Figueirinhas, 1926; GUEDES, Fernando — Nossa Senhora na poesia portuguesa, in «A Virgem e Portugal», II, 805-836; PINTO, Abílio Augusto da Fonseca — Parnaso Mariano, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1890.

24       A partir do séc. XVII multiplicaram-s e as invocações marianas e, na onomástica das congregações religiosas instituiu-se a prática de ajuntar a um nome próprio de homens ou mulheres um especial patrocínio de Nossa Senhora. Em 1770, à data da supressão do mosteiro dos Agostinhos regulares de Moreira da Maia, dos 14 religiosos todos tinham uma denominação mariana: Anunciação 3, Anunciada 1, Assunção 1, Conceição 3, Encarnação, 2, Imaculada 1, Loreto, 1, Nossa Senhora 1, Nossa Senhora da Boa Morte 1. A.D. Porto, Secção Monástica, Convento de Moreira, Ms. n.° 8 — Treslado dos Autos de Sequestro e Inventário.

25 Cartas Apologéticas e Históricas sobre os sucessos religiosos em Portugal nos anos de 1834 até 183… entre os dois irmãos A. J. L. A. Garrett e João Baptista Leitão de Almeida Garrett. Introdução e notas por Sigismundo Spina, São Paulo, 1961.

26  S. Bento da Vitória, Ms. de Alexandre José da Silva de Almeida Garret —

Annaes da Arquiconfraria do SS.mo e I. Coração de Maria da cidade do Porto, pag. 19.

27 S. Bento da Vitória, 2 livros manuscritos: Contas com os Subdirectores e

Procuradores.

28 PIMENTEL, Alberto — História do culto de Nossa Senhora em Portugal, Lisboa, Lib. Ed. Guimarães, Libânio & C.a, 1899, 361-389; ROSA, Dr. Sezinando de Oliveira — História da devoção ao Imaculado Coração de Maria em Portugal, «Estudos Marianos» (Congresso Mariológico Luso-Espanhol, na Fátima, 1944), Leiria, Santuário de Fátima, 1945,173-195; Cfr. Manual Histórico e de Instruções e Orações para  uso dos membros da Arqui-Confraria do SS.mo e Imaculado Coração de Maria, traduzido do francês (Alexandre José da Silva de Almeida Garrett), Porto, Typ. Comercial, 1848; AFONSO, Belarmino — Senhora das  Graças, Padroeira da  cidade de Bragança, «Lumen», Ano 49, Série II, N.° 3, 1988, 35-43.

29 MUZZARELLI, Padre Affonso — O Mez Mariano ou o Mez de Maio consagrado à Virgem Maria Nossa Senhora, traduzido do italiano, Lisboa/Porto, Livraria Catholica, 1874 (5 edições); PIMENTEL, Alberto, — Mez de Maria Portuguez, Lisboa, Typ. da Sociedade «A Editora», 1903; SABLONS, Madame Tarbé — Mez de Maria ou Nova Imitação da Sanctissima Virgem, traduzido do francês, Paris, J. P. Aillaud Editor, 1845; SAMODÃES, Conde^de — O Mez de Maio consagrado à Sanctissima Virgem Mãe de Deus, Porto, Editor José Fructuoso da Fonseca, 1888; SILVA, Pe. Martinho A. P. — Flores a Maria ou o Mez de Maio consagrado à Sanctissima Virgem Mãe de Deos, Braga, Tip. Lusitana, 1859 (7.a ed., 1891).

30 RÉGIO, José — Confissão dum homem religioso, 2.a ed., Lisboa, Brasília

Editora, 1983, 33 s.

31       Em 1782, no Arcebispado de Braga, ainda se celebravam como festas marianas santificadas e feriadas: Purificação, 2/II; Anunciação, 25/IXI; Assunção, 15/VIII; Natividade, 8/IX; Conceição, 8/XII. Provisão de D. Gaspar, (8/X/1782)’, Livro de Vizitas de São Salvador do Campo, fl. 17v.; CAPELLE, Dom Bernardo — As festas mariais, in MARTIMORT, A.G. — «A Igreja em Oração», Singeverga, Ora & Labora, 1965, 858-878; D. M. de L. — Epitome das festas, e mistérios principais de Maria Sanctissim a , t r a d . da l í ngua f r a nc e s a , e de duz i do dos Exe r c í c i os de pi e d a d e do eruditíssimo Pe. João Croiset, Lisboa, Of. Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1760; VASCONCELOS, Dor. Leite de — Etnografia Portuguesa, Vol. VIII, Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 1982, 27-535.

32       CHRISTIAN, William, A. — La religiosidad popular. Estúdio Antropológico en un valle espanol, Madrid, 1978, 127.

33       REIS, Sebastião Martins dos — Culto e santuários marianos, in «A Teologia do Santuário Mariano». Actas do Congresso de Estudos. I Centenário do Santuário de

Nossa Senhora do Sameiro, II b, Braga, Sociedade Mariológica «Mater Ecclesiae», 1968, 327 s.

34 LEITE, Fernando — História do Sameiro, 2.a ed., Braga, 1964.

35   Fátima  Altar  do  Mundo,  3  vols.,  Porto,  Ocidental  Editora,  1953;  REIS,

Sebastião Martins dos — Síntese de Fátima nas suas. incidências e repercussões», in «A Virgem e Portugal», I, 265 s.

36 BARREIROS, Cónego Manuel de Aguiar — Nossa Senhora nas suas imagens  e no seu culto na Arquidiocese de Braga, Braga, 1931; VELOSO, Pe. Manuel de Oliveira

—        Nossa Senhora na Arquidiocese de Braga, in «Segundo Congresso Mariano Nacional» (Actas), Braga, 1954, 874 s.

37       LOURO, Henrique da Silva — O culto de Nossa Senhora e dos Santos na Arquidiocese de Évora, Évora, 1967.

38       BIGOTE, Pe. José Quelhas — O culto de Nossa Senhora na Diocese da

Guarda, Guarda, Papelaria Fernandes, 1948.

39       SAMODÃES, Conde de — O culto de Maria Santissima na diocese do Porto, Porto, Typ. Catholica, de José Fructuoso da Fonseca, 1904.

40       ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de — Alto Minho. Novos Guias de Portugal, n.° 5, Lisboa, Editorial Presença, 1987; DIAS, Geraldo J. A. Coelho — O Alto Minho em tempo de festas, in «Humanística e Teologia», Porto, T. VII, fase. 3, 1986, 253-282.

41 SANCHIS, Pierre — Arraial: Festa de um Povo. As romarias portuguesas, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1983; cfr. ESPÍRITO SANTO, Moisés — A Religião Popular Portuguesa, Lisboa, A Regra do Jogo, Edições, 1984.

42   FREIRE,  João  Paulo  (Mário)  —  Loas  e  Círios  no  concelho  de  Mafra;

FELGUEIRAS; Guilherme — Os Círios estremenhos, in «Estremadura», Boletim da Junta Provincial, Janeiro-Março, 1943, 77-86; VASCONCELOS, Dr. José Leite de

— Círios Extremenhos, in «Revista Lusitana», Vol XXX, 1855.

43 BRAGA, Alberto Vieira — O culto poético popular e romeirinho a Nossa Senhora.

44 DIAS, Manuel — Milagres e crendices populares, Porto, Brasília Editora, 1985; FERREIRA, Seomara da Veiga — As aparições em Portugal dossécs. XIV a XX, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 1985; MENDEIROS, Mons. Dr. José Filipe — Devoções e superstições. Aparições verídicas e supostas de Nossa Senhora, in «A Virgem e Portugal», II, 533-570.

«Em 25 de Março de 1646, o rei D. João IV organizou uma cerimónia solene, em Vila Viçosa, para agradecer a Nossa Senhora a restauração da independência em relação a Espanha. Foi até à igreja de Nossa Senhora da Conceição, ofereceu a coroa portuguesa a Nossa Senhora, colocando-a a seus pés proclamou-a Padroeira Portugal. O acto da proclamação alargou-se a todo o País, com o povo a celebrar, pelas ruas, entoando cânticos de júbilo.» (fonte)

MARIA E PORTUGAL: UMA DEVOÇÃO NACIONAL?

D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, In Portugal e os portugueses, ed. Assírio & Alvim (2008)

A devoção mariana é um facto relevante na piedade pessoal de muitos portugueses. Mas não é a esse título que a vou sublinhar aqui, antes a título coletivo, como devoção nacional que também parece ser.

Efetivamente, as grandes horas portuguesas foram várias vezes horas marianas, porque a Maria se referiram, pela intercessão ou no louvor. E se os povos se simbolizam nas realidades que afirmam com mais constância e calor, então o povo português aparece-nos frequentemente como um povo mariano.

Relancemos:

A nossa realidade política foi recortada pela espada de D. Afonso Henriques. De Guimarães a Lisboa e ao Alentejo, criou o Estado português, juntando gentes diversas, de dentro e de fora. As sés que levantou dedicou-as a Santa Maria. Mas como se denominavam os que morriam na luta, os que caíam na guerra contra os Mouros? Ao menos em alguns casos, mártires. E quem os recebia no céu? Santa Maria.

Efetivamente, mal começado o cerco a Lisboa, em 1147, D. Afonso teve de correr a Sacavém, a parar uns mouros que o vinham cercar por sua vez. Pelos cristãos mortos na peleja, levantou aí um templo a Nossa Senhora dos Mártires. Depois de conquistada a cidade, no local onde se tinham sepultado os cruzados ingleses, ergueu também um templo. O nome? Nossa Senhora dos Mártires. A sua dedicação celebrava-se a 13 de maio…

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A guerra continuou nos reinados seguintes e a invocação também. Mesmo ao sul ainda aparecerão igrejas de Nossa Senhora dos Mártires, em Silves e Castro Marim, por exemplo. E Frei Agostinho de Santa Maria escreveu mais tarde no seu Santuário Mariano sobre a imagem de Castro Marim: «Este título se devia dar à Senhora, sem dúvida, porque no tempo dos Mouros se enterrariam junto ao seu altar os corpos daqueles soldados, que em defesa da fé sacrificaram as vidas.»

Quando Portugal se ia perdendo na herança de D. Fernando, foi em Aljubarrota que se ganhou. E isto deu-se na véspera de Santa Maria de agosto, como sabia D. João I, como sabia Nun’Álvares, como sabiam todos. O Condestável, narra Fernão Lopes, animava os nossos, pois «que a Mãe de Deus, cuja véspera era então, seria sua advogada»; e o novo rei reforçava: «Em nome de Deus e da Virgem Maria, cujo dia é amanhã, sejamos todos fortes e prestes.»

Depois foi a vitória portuguesa e a peregrinação do nosso rei à Senhora da Oliveira, em Guimarães, a pé e a agradecer. E o agradecimento lavrado em pedra, que foi Santa Maria da Vitória. Antes da batalha e por causa dela, já o povo de Lisboa prometera também uma procissão anual a Nossa Senhora da Escada, que se venerava ao pé do Rossio.

Consolidado o reino, seguiu-se a expansão. E o mesmo Frei Agostinho de Santa Maria pôde dizer depois que o infante D. Henrique que «nesta sua empresa escolheu por sua principal estrela a Maria Santíssima, e aos Santos Reis Magos, rogando-lhes que mostrassem outras novas estrelas, novos homens e novos mundos».

A armada portuguesa avistou Ceuta a 14 de agosto de 1415, outra véspera da Assunção. A 14 de agosto também, mas de 1437, o Infante Santo foi a Nossa Senhora da Escada, antes de partir para Tânger, onde seria preso para não mais voltar. Vitória por derrota, conta Frei Luís de Sousa que «com melhor sucesso fez semelhante despedida seu sobrinho el-rei D. Afonso Quinto, filho de el-rei D. Duarte, no ano de 1471, quando foi tomar Arzila e Tânger aos Mouros. Acompanhado de toda a corte veio visitar a Senhora (da Escada) na manhã do dia de Sua gloriosa Assunção, a quinze de agosto».

Para mais longe iriam Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. Para mais longe, mas também de ao pé de Maria: o Gama e os seus passaram a noite de 7 de julho de 1497 em Santa Maria de Belém, antes da partida para a Índia; e aí ouviu missa o descobridor do Brasil, a 8 de março de 1500, antes de partir por sua vez.

Horas de glória, estas: glórias de Portugal e de Maria, assim foram vividas. Seguiram-se outras, de derrota e desterro, marianas também. De facto, quando um novo Império se perdeu em Alcácer Quibir, ainda antes de ter propriamente começado, foi a Maria que recorreram muitos dos que lá ficaram cativos.

Recorreu-lhe, por exemplo mais eloquente, Diogo Bernardes, nas suas Várias Rimas ao Bom Jesus e à Virgem Gloriosa: «Oh Virgem singular, pura, sem mágoa, / […] Esperança do povo Lusitano, / Por vosso amor acuda a tanto dano / O poder infinito.»

«Esperança do povo lusitano» – assim a viam os vencidos de Alcácer. E assim a continuaram a ver os Portugueses, com a independência cada vez mais perdida sob os Filipes.

Sob o domínio filipino, na verdade, seria proibida a procissão que o povo de Lisboa fazia à Senhora da Escada, lembrando a vitória de Aljubarrota. Mas determinações destas excitam ainda mais o que procuram obviar, e o que aconteceu foi a insistência dos patriotas junto da Virgem Maria pela recuperação da independência. Sobreveio que, tendo o governo filipino mandado cortar pinheiros junto à Senhora da Atalaia, eles se entortaram milagrosamente, ficando incapazes de servir, como anotou depois o autor do Santuário Mariano. Não era o sinal do desagrado do Céu com os Espanhóis? Lenda ou não, o sentido é evidente. E foi muita, nesses anos difíceis, a procura de livros de devoção mariana.

Por toda a Europa católica, o século XVII foi de grande exaltação de Maria, especialmente na sua Conceição Imaculada. Na polémica antiprotestante afirmava-se o lugar da Mãe de Jesus e o seu privilégio; e também os Filipes promoveram esta afirmação. Mas quando Portugal se restaurou, a Imaculada Conceição, particularmente venerada na corte ducal de Vila Viçosa, donde saía o novo rei D. João IV, foi logo assumida como padroeira dos nossos destinos reencontrados.

Foi assim que Frei João de São Bernardino, pregando perante a corte, a 8 de dezembro de 1640, não se esqueceu de afirmar: «Em sábado dedicado à Mãe de Deus se aclamou rei por geração, linha e sangue o invictíssimo rei D. João o quarto do nome, nosso senhor. Hoje é o oitavo dia da sua aclamação, sábado dedicado pela Igreja à Imaculada Conceição da mesma divina Senhora: quiçá assinalou Deus este dia de sábado em seu descanso, requievit die septimo, para que ficasse assinalado por dia deputado ao descanso de Portugal.»

Depois, nas Cortes de 1646, foi Nossa Senhora da Conceição tomada por padroeira de Portugal e da sua independência, ainda muito insegura. Padroado escolhido, padroado cumprido: a 8 de junho de 1663 os Portugueses ganharam a Batalha do Ameixial aos Espanhóis, que não desistiam. – Vitória portuguesa ou vitória de Maria? De Maria, disse-se logo; é que, a 26 e 27 de maio anterior, uma imagem da Senhora da Piedade a anunciara milagrosamente em Santarém, facto depois examinado e autenticado por Carta Pastoral do Deão e Cabido de Lisboa, de 15 de janeiro de 1664.

Recuperou-se a independência, vieram os anos dourados de D. João V, e, como geralmente sucede em tempos de afirmação nacional, reescreveu-se a história. Para tal, fundou o Magnânimo a Academia Real da História, por decreto datado significativamente de 8 de dezembro de 1720. E a primeira história a fazer-se seria a das Igrejas do Reino, a Lusitania Sacra. Mais uma vez, história de Portugal ou história de Maria? Para D. Manuel Caetano de Sousa, diretor da Academia, não havia diferença. Dizia assim: «Não é a obra da Lusitania Sacra outra coisa senão. uma ilustração histórica de todas as Igrejas de Portugal […] Será o empenho da Lusitania Sacra ilustrar as Igrejas Catedrais deste Reino, mas tudo redunda em glória da mesma Senhora, a quem todas elas são dedicadas.»

No século XVIII e com o aval do mesmo rei, conseguiu-se para Portugal uma festa litúrgica de Nossa Senhora para cada mês do ano. As que já se celebravam, juntaram-se assim a do Patrocínio de Maria, em novembro; a de Nossa Senhora dos Prazeres, na segunda-feira depois da Pascoela, para todo o País; a de Nossa Senhora do Desterro, no quarto domingo de abril; a da Maternidade, no primeiro domingo de maio e a da Pureza de Nossa Senhora, no último de junho; já em 1815, somou-se-lhes a do Coração de Maria, no domingo depois da Oitava da Assunção.

Depois de tempos, tempos vêm… Com o século XIX veio também a ameaça e depois a primeira invasão francesa. Em 1807 chegaram os exércitos de Napoleão e cá continuaram pelo ano seguinte: muitas mortes e grande desolação. A rainha louca, o príncipe. regente e a corte, fugidos para o Brasil. Mas havia a Rainha do Céu, padroeira da pátria, e a ela se recorreu de novo. Derrotados na Roliça e no Vimeiro, os Franceses partiram e os louvores voltaram: «Cantamos à Virgem / Louvores gerais: / Digam todos comigo: / Bendita sejais»; vinha num assim chamado Cântico a Maria Santíssima em ação de graças por nos ter livrado dos pérfidos e malvados franceses, saído em Lisboa logo nesse ano de 1808, com mais entusiasmo do que inspiração.

O século passado foi de graves alterações na vida religiosa portuguesa. O triunfo do liberalismo não se fez sem grandes mal-entendidos de parte a parte, nas relações entre política e religião, mal-entendidos que persistiram muito tempo. As instituições católicas tinham-se naturalmente integrado na sociedade do Antigo Regime: caído este, abalaram-se aquelas. Em 1834 foram extintas as congregações religiosas – as masculinas logo e as femininas a prazo – e o Governo passou a tutelar mais apertadamente ainda a vida da Igreja secular. Além disto, olhava com muita desconfiança para tudo quanto vinha de fora, de Roma especialmente, como atentatório da independência portuguesa e da religião «nacional». Esta suspicácia do liberalismo português, herdada depois pelo republicanismo, em relação a Roma e às congregações religiosas a ela ligadas, foi um dos fatores mais persistentes da reserva de muitos católicos portugueses em relação às instituições políticas, o que poderá ajudar a explicar o desenraizamento e a brevidade delas.

Ora, foi também a propósito da devoção mariana que esta nova situação se agudizou. Em 8 de dezembro de 1854, o Papa Pio IX definiu o dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Tal verdade mariana era há muito confessada em Portugal e era mesmo a inovação da padroeira do reino. Mas agora vinha de Roma a definição, e, para o nacionalismo de muitos influentes, Roma era o estrangeiro e mesmo a ameaça, já que Pio IX não se cansava de levantar objeções à teoria e à prática dos regimes liberais. Estava novamente em uso o beneplácito, pelo qual as decisões pontifícias só se executariam entre nós depois da aprovação das Cortes. Teve de esperar-se até março do ano seguinte…

Estes quatro meses de demora em reconhecer para Portugal o dogma da Imaculada Conceição levantaram reparos nos meios católicos mais ativos. A demora era dos poderes públicos e não da piedade portuguesa, afirmava A Nação de 17 de abril de 1855: «Portugal, que sempre se distinguiu pelo seu zelo religioso, e pela pureza da sua fé, Portugal, que nas suas cortes e universidades jura há séculos a defesa da Imaculada Conceição, não podia, apesar de todas as desgraças, deixar de associar-se à alegria universal de todos os católicos ao ser definido pela Igreja como dogma, o que para ele era uma crença religiosa, e um princípio de nacionalidade.»

E a devoção mariana, «crença religiosa e princípio de nacionalidade» recrudesceu então. São dessa época os versos do Padre Malhão que ainda hoje se cantam, unindo a proteção de Maria com os destinos nacionais: «Salve, nobre Padroeira / Do Povo, teu protegido, / Entre todos escolhido / Para povo do Senhor. / Ó glória da nossa terra / Que tens salvado mil vezes, / Enquanto houver Portugueses, / Tu serás o seu amor.» E em 1869 a Imaculada Conceição do Sameiro uniria ainda outra vez marianismo e patriotismo. São de Almeida Braga, jovem apóstolo de então, os seguintes versos, tão bem datados na piedade e nas preocupações: Quanto aos que se opunham a esta devoção:

Oh! não consintas que a feroz doutrina,
Que tenta derrubar os teus altares,
Do povo português invada os lares,
E espalhe as trevas onde brilha a luz;

Quanto às divisões dos portugueses, que só a fé reencontraria:

Faze um povo d’irmãos do luso povo
Por Deus e pela pátria, em verdadeira
Aliança unidos numa só bandeira,
Rendendo culto juntos ao mesmo altar;

Para concluir:

E, enfim, como vigia da atalaia
Os Passos do inimigo a sentinela,
Assim desse alto, tu, Senhora, vela
Sobre os destinos deste povo teu.

Entretanto, desde meados do século, ganhava adesão sempre maior a devoção do Mês de Maria: a mesma devoção entre os católicos mais fervorosos e a mesma suspeita por parte dos liberais mais desconfiados a respeito de novidades religiosas vindas de fora, sobretudo as apadrinhadas pelos Papas e difundidas também por religiosos – em Lisboa, era praticada por um lazarista francês na Igreja de São Luís, a partir de 1859. Tinham surgido também as confrarias dedicadas ao Coração de Maria. A do Porto nascera em 1845 e logo despertou desconfianças semelhantes, numa cidade onde tanto se afirmaram no século passado quer o liberalismo mais radical, quer a militância católica mais intensa. Por isso foi violentamente interrompida a reunião da confraria portuense nos Congregados, a 8 de março de 1846, alegando-se que ela encobria uma conspiração antiliberal. Incidentes destes e com idênticas alegações perturbaram muitas manifestações católicas em Oitocentos.

A devoção mariana, essa, não parou. E um autor chega a dizer que a arquiconfraria do Sagrado Coração de Maria no Porto tinha, na viragem do século, 100 000 associados.

Mas, virado o século, a mesma desadequação – agora muito mais acentuada – entre devoção mariana e instituições políticas se fez notar, enquadrando concretamente os acontecimentos de Fátima. É certo que o tipo de relações Igreja-Estado era diferente: em 1854, quando foi definida a Imaculada Conceição, o catolicismo era religião do Estado, e agora este não reconhecia culto algum. Mas a atuação da autoridade local em relação aos pastorinhos, por exemplo, significava mais do que simples indiferença.

Também isto não impediu o desenvolvimento da devoção mariana, agora como novo estímulo. Desenvolvimento tal que, à luz de Fátima, foi mais uma vez interpretado e garantido o destino nacional. Apenas dois marcos para terminarmos: o I Congresso Mariano Nacional, reunido em Braga em 1926; e a Primeira Consagração de Portugal ao Coração Imaculado de Maria, feita pelo Episcopado Português em Fátima, a 13 de maio de 1931. Consagração que acabava precisamente com estas palavras: «Lembrai-vos, enfim, ó Padroeira da nossa terra, que Portugal ensinou tantos povos a saudar-vos bendita entre todas as mulheres. Em memória do que fez pela vossa glória, salvai-o, Senhora de Fátima…»

E, desde então, a devoção portuguesa continua a unir Maria e o nosso futuro nacional, não se cansando de repetir: «Nossa Senhora do Rosário de Fátima, salvai-nos e salvai Portugal!»

Deste brevíssimo e apressado relance, poderei concluir com mais certeza o que comecei por dizer: Se os povos se simbolizam nas realidades que afirmam com mais constância e calor, então o povo português aparece-nos frequentemente como um povo mariano. Creio que isto continua a ser assim para uma parte muito expressiva da nossa comunidade nacional.

Nota: Esta transcrição omite as notas de rodapé.
Fonte: SNPC

Santuário de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, também conhecido como Solar da Padroeira (por nele se encontrar a imagem de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal), é uma igreja e santuário mariano situado em Vila Viçosa, no Alentejo, em Portugal.