O BERÇO DA TRADIÇÃO: COMUNIDADE E TERRITÓRIO

APONTAMENTO HISTÓRICO DA NAZARÉ

O povoamento do que é hoje o principal núcleo urbano do concelho da Nazaré, é relativamente recente, assim como o próprio topónimo Nazaré. Só em 1912 surgiu o município da Nazaré, em referência ao Culto Mariano que se tinha agigantado no sobranceiro promontório. Até essa data, e desde a Idade Média, aquele território era conhecido como Pederneira, hoje apenas uma freguesia do concelho da Nazaré. Com o advento e o triunfo da pesca, a partir do Século XVII e o assoreamento gradual da antiga Lagoa da Pederneira, a sul, a centralidade do concelho deslocou-se para a beira-mar, tendência que o turismo de massas do século XX reforçou, sendo hoje um dos mais populares destinos balneares portugueses.

O que é hoje a Praia da Nazaré, cresceu principalmente no século XIX, a reboque da atividade pesqueira, mas também, em paralelo, da crescente importância do turismo e da atividade balnear, que começou nessa altura a atrair forasteiros em busca do sol, do iodo e do belíssimo cenário natural nazareno.

A Pederneira, no entanto, já era há muitos anos um ponto de atração de visitantes de todo o país, em busca de consolo espiritual. O que hoje se chamaria «turismo religioso», era já uma atividade fervilhante neste ponto da costa atlântica portuguesa desde, pelo menos, o Século XIV, data em que comprovadamente o rei D. Fernando mandou ampliar o Santuário da Senhora da Nazaré no alto do promontório, começando a ganhar a dimensão que hoje se conhece. Milhares de peregrinos e romeiros acorriam ao Sítio do Milagre, seja de forma organizada, nas dezenas de Círios, oriundos de cidades como Coimbra ou Lisboa, seja de forma individual. Antes do surgimento do fenómeno de Fátima, com as Aparições em 1917, o Santuário da Senhora da Nazaré era um dos principais pólos marianos de peregrinação nacionais.

Esse poder de atração pode ter diminuído, fruto também das mudanças culturais e sociais verificadas no país, mas mantém-se vivo e o Sítio continua a atrair milhares de devotos ou curiosos. Esta dinâmica peregrina e o desenvolvimento populacional do promontório beneficiaram da instalação de um elevador mecânico, para ligação entre o Sítio e a Praia, em 1889.

A Praia da Nazaré é de ocupação humana relativamente recente. As primeiras referências sobre a pesca na Nazaré datam de 1643, no entanto, só no início de oitocentos a população se começou a fixar no areal. A zona atualmente ocupada pelo casario, era, à época, ocupada por dunas litorais que seriam recortadas, a montante, pela foz do rio Alcoa, que ia desaguar muito a norte da atual (a sul do Porto de Pesca), tendo as várias alterações do leito do rio contribuído para a diversificação da geologia local.

Os pescadores locais habitavam, sobretudo, nas partes altas – Sítio e Pederneira – dado que os constantes ataques dos piratas, sobretudo norte-africanos mas também holandeses ou franceses, tornavam o areal pouco seguro. Só no séc. XIX, posteriormente às invasões francesas, é que se reuniram condições de segurança necessárias à fixação dos pescadores junto à praia. A Nazaré começou a ser conhecida e procurada, como praia de banhos, em meados do século XIX. A sua beleza natural e tipicismo desde sempre atraíram os visitantes. A pesca, a transformação do pescado e a sua venda, foram ao longo de quase todo o século XX, as principais atividades da população. A dureza e perigosidade da vida do mar levaram muitos pescadores a procurarem uma vida melhor noutras paragens. A construção do Porto de Pesca e Recreio, no início da década de oitenta, veio alterar e melhorar a vida dos pescadores, iniciando uma nova fase no quotidiano da vila. Na década de 60, o Turismo massificou-se e a Nazaré começou a ser conhecida internacionalmente.

Terra de pescadores desde o século XII, era denominada então Seno Petronero, que significa Golfo da Pederneira. Situava-se, nessa época, mais para o interior e era a pesca na Lagoa a fonte de riqueza da vila. Desenvolvida, no final do século XVI, com a chegada dos pescadores da assoreada e despovoada vila de Paredes, foi um dos mais importantes portos de mar dos Coutos do Mosteiro de Alcobaça.

Sede de concelho, a Pederneira era, a seguir a Alcobaça, a vila mais populosa e produtiva dos domínios de Cister. O Rei D. Manuel I concedeu-lhe Foral em 1514. Na época áurea dos Descobrimentos Portugueses – séculos XV e XVI – foi um dos mais ativos estaleiros navais do reino, de onde saíram muitas naus e caravelas. Pelo porto da Pederneira eram escoadas mercadorias e as madeiras do Pinhal do Rei, para a capital e além-mar. Da sua população de pescadores foram recrutados muitos bravos marinheiros, destacando-se o mítico calafate e mareante Bastião Fernandes, que terá sido marinheiro na Rota das Índias.

O desenvolvimento do Sítio e o progressivo afastamento do mar, devido ao assoreamento da Lagoa e ao aparecimento da nova praia, levaram à decadência da Pederneira, em finais de setecentos. Nem a vinda dos Ílhavos e de outros pescadores e marítimos da zona da Ria de Aveiro para a vila lhe deu ânimo. Lentamente os seus habitantes vieram fixar-se na recente enseada.

Após um longo período de algum abandono, lentamente a Pederneira recobrou a vida ao longo do século XX. Sossegada e agradável, a Pederneira é o miradouro atento do mar e do casario da Praia, guardiã de memórias de outros tempos, merece uma visita atenta.

FAMALICÃO

Freguesia da Nazaré, a aldeia de Famalicão dista apenas 8 quilómetros da sede de concelho. No sopé da Serra da Pescaria e rodeada de férteis campos, a povoação, com uma área de 21,8 Km2 e cerca de 1600 habitantes, é atravessada pela linha do Oeste (CP). De cariz essencialmente rural e agrícola, Famalicão tem o seu povoamento ligado aos habitantes de Paredes da Vitória, que no início do século XVI, aqui se vieram fixar, trazendo com eles o culto de Nª Senhora da Vitória, o que provocou atritos entre os novos e os antigos moradores. Nessa época, a povoação estava dividida em Famalicão de Baixo, que pertencia a Alfeizerão, e em Famalicão de Cima, que pertencia à Pederneira e para o qual vieram os habitantes de Paredes.

Até ao século XVIII esta divisão manteve-se, altura em que o conflito das duas foi “vencido” por Famalicão de Cima, unificando-se numa só povoação, que começou a crescer enquanto freguesia, sob a proteção do seu orago – Nª Sra. da Vitória – celebrada todos os anos no mês de agosto.

Tal como a Pederneira, Famalicão também fazia parte dos domínios de Cister, tendo sido vigararia de apresentação do Mosteiro de Alcobaça, passando posteriormente a priorado.

VALADO DOS FRADES

Vila situada a 6 quilómetros da Nazaré, junto à linha férrea do Oeste e ao nó de acesso da A8, é a segunda maior freguesia do concelho, com cerca de 3400 habitantes, distribuídos por 19,3 Km2. Achados arqueológicos atestam a ocupação romana da zona, no entanto, o povoamento da vila parece só ter começado, efetivamente, no século XIII, com a drenagem do Paúl da Cela a pedido do Rei D. Dinis. O Valado pertencia aos Coutos de Alcobaça e foi povoado e desenvolvido pelos monges bernardos.

A origem do nome Valado deriva de “velado” ou de “velar”, por existir neste lugar um monge encarregado de vigiar ou velar pelos campos pertencentes ao Mosteiro, segundo a opinião de alguns estudiosos; segundo outros, o topónimo deriva de “vallo” ou “vallu”, palavra latina que tanto pode significar defesa como trabalho de irrigação ou divisória de terrenos. A presença dos frades deixou marcas visíveis na vila para além do nome da localidade.

Foram os cistercienses os grandes impulsionadores da drenagem dos campos (antigos pântanos e pauis, deixados pelo recuo do mar, que outrora cobrira a região), e da sua adaptação à agricultura. Aqui instalaram uma das 10 granjas agrícolas dos coutos, na qual fundaram, no século XIV, uma “Escola de Engenharia Hidráulica e Agrícola”, na Quinta do Campo – hoje transformada numa belíssima unidade de turismo de habitação.

«É o caso que era costume descerem à praia as pessoas ilustres para verem arrastar as redes e assistirem à faina dos barcos. E a descida, fazia-se, ladeira abaixo, sentados os visitantes em colchas ou alcatifas em que pegavam seis, oito ou mais pescadores, levando-os em correria suspensos do chão.
Como El Rei Dom Pedro tomasse muito tabaco e na descida vertiginosa ocupasse as mãos segurando-se à alcatifa, para não cair, ia-lhe caindo ranho do nariz para o colete. A meio caminho o homem que comandava a operação, António Melrinho, velho pescador natural do Sítio, mandou fazer alto aos companheiros e tirando da algibeira o seu modesto lenço, ofereceu-o a Dom Pedro dizendo: – Oh Senhor Rei Vossa Mercê é um Santinho mas assoe-se que está ranhoso.»
Marcelino Mesquita, praias de Portugal – A Nazareth – Sítio e Praia, Lendas história, casos, 1913

O conjunto monumental urbano e enquadramento paisagístico da Nazaré não foi aceite como património classificado, mas continua a ser um paisagem humana de grande relevância nacional e não só como estância balnear.

«O núcleo primitivo da Nazaré dividia-se entre os pólos do Sítio e da Pederneira, sendo estas habitada desde o século XII por uma comunidade de pescadores. Tornou-se um dos mais importantes portos de mar medievais que integrava os coutos do Mosteiro de Alcobaça, sendo o seu primeiro foral outorgado pelo grande cenóbio cisterciense.

Durante os séculos XV e XVI este porto teve um papel activo na empresa dos Descobrimentos, uma vez que aqui funcionava um dos maiores estaleiros navais do país. Desta época áurea, em que a população aumentou consideravelmente devido ao fluxo migratório oriundo da comunidade piscatória de Paredes, a Pederneira conserva os antigos Paços do Concelho, o pelourinho manuelino e a matriz quinhentista.

A zona do Sítio está ligada à Ermida da Memória, que segundo a lenda foi fundada nos finais do século XII por D. Fuas Roupinho, alcaide da vila de Porto de Mós, depois de o nobre ter sido salvo, por intercessão da Virgem, de uma queda no precipício sobranceiro à praia da Nazaré. A ermida foi reedificada no início da centúria de Seiscentos.

No reinado de D. João V, foi edificado no Sítio o Paço Real da Nazaré, por ordem de D. Nuno Álvares Pereira de Mello, Duque de Cadaval, para que aí se albergasse a Família Real nas suas visitas a esta localidade.

Foi precisamente no século XVIII que a Nazaré conheceu um novo surto demográfico. Com a progressiva decadência da vila da Pederneira e o fim dos ataques de barcos piratas, conjugados com o recuo da linha da costa, que deu origem a um extenso areal, a Praia tornou-se um local atractivo para a fixação de uma nova comunidade de pescadores oriunda de Ílhavo. Este grupo, que se fixou na zona baixa da povoação, levou consigo as técnicas de pesca de arrasto, originando uma alteração profunda na economia local.

A partir desta época, o povoado consolidou-se junto à praia, e as casas dos pescadores, dispostas em arruamentos alinhados perpendicularmente à linha de costa para a protecção dos ventos, dominaram o desenvolvimento urbano. A partir do século XIX, este tornou-se o centro populacional, económico e social da Nazaré, passando para aqui a administração do concelho.», Catarina Oliveira, IPPAR/2006 (fonte)