“A PRAIA DA NAZARETH. O SEU PASSADO E DESCRIPÇÃO DA ACTUALIDADE”

J.C. Poças Jr., “A Praia da Nazareth. O seu passado e descripção da actualidade. Acompanhada de nota dos melhoramentos introduzidos nos ultimos trâs annos e de indicações úteis ao banhista”. Alcobaça: Typografia de António M. de Oliveira, 1901

«A 105 kilometros a norte de Lisboa, desviada 6 leguas para nordeste de Leiria, mesmo no coração de Portugal, reclinada preguiçosamente na encosta graciosa que lhe serve de assento, jaz situada a formosa Praia da Nazareth, a melhor estancia balnear do paiz, notável no seu género, e podendo n’um futuro bem proximo figurar honrosamente, senão competir com as melhores praias do estrangeiro.

Constituindo com o logar do Sitio, a povoação de Fanhaes, encravada no pinhal do estado á beira da via ferrea, e a antiga e notavel villa da Pederneira, uma freguesia, cujo nome o toma da villa, forma, como antes de 2

4 de outubro de 1855, com as freguezias de Famalicão e Vallado, um concelho do districto de Leiria, recentemente restaurado 22 de junho de 1898 pelo governo presidido pelo eminente estadista José Luciano de Castro.

Sua historia alcança o primeiro quartel do seculo VIII, sem com isto querer fazer datar de então sua existencia; apenas Indico ser n’esta época que se deve procurar a genese historica d’estas povoacões, edificadas porém muito posteriormente, tendo principio precisamente na batalha de Guadalete, pelejada ao sul da Peninsula Hispanica, entre os Arabes invasores d’esta, e o godo D. Rodrigo, ao tempo rei de toda a Hespanha, na qual, com a victoria, perdeu este a coroa de seu reino quatro vezes secular, salvando na fuga apenas a liberdade e a vida que o alfange infiel Ihe não saberia conceder.

Após tão infausto acontecimento, que enluctou a peninsula inteira, retirou-se Rodrigo para os lados de Merida, montado no seu Orelia (assim se chamava o cavallo de batalha do rei godo), mas a breve trecho o cavallo succumbia esgotado em sangue dos golpes recebidos na peleja aggravados pelo excesso da viagem; e o rei dissimulou-se vestindo os habitos pastoris que lhe cedera um pegureiro juntamente com algum alimento, prosseguindo em seguida a pé o resto da viagem.

Depois de alguns dias de penosa e angustiada viagem, chegado o regio viajante ao convento de Cauliniana, da ordem de Santo Agostinho, fundado duas leguas arredado de Merida, encontrou os monges possuidos da maior affliccão e temor com a noticia da derrota e anniquilamento do exercito godo, outr’ora tão temido e victorioso, occupando-se cuidadosamente em salvar do poder dos infieis, as reliquias, as imagens dos santos, os vasos sagrados e ornamentos e paramentos da Egreja, havendo se já retirado alguns monges a pôrem a bom recato o que podessem levar d’estes objectos venerandos e respeitaveis ; outros porem haviam resolvido aguardar no convento o desenrolar dos acontecimentos e a a sorte que lhes reservavam os mouros.

Entrado o rei na Egreja, cuja porta achara aberta, notou logo o vê-la despojada de todas as alfaias do culto, e despovoada de religiosos, crendo terem abandonado completamente o convento por medo dos mouros, «poz-se em oracão com tanta dor e angustia de coração que, desfeito em lagrimas, se não lembrava que podia ser ouvido por algumas pessoas a quem o excessivo de sua dor desse conhecimento de quem era. E com a fraqueza de não haver comido em muitos dias, o desfallecimento do cerebro com a falta de somno, e o movimento do caminho, que havia feito a pé lhe tiveram prostradas as forças, lhe desfalleceram os espiritos de sorte que caiu em terra com um desmaio em que esteve privado dos sentidos até o achar um d’aqueles religiosos de santa vida, chamado Fr. Romano, que com lhe lançar agua no rosto, e lhe a’pplicar outros beneficios semelhantes, o fez tornar em si procurando consola-lo com algumas palavras e saudaveis conselhos accommodados ao estado em que o via. E como o rei conhecia que era sacerdote, e via no modo de sua pessoa, modéstia e brandura de suas palavras ser homem de santa vida, quis aliviar a sua consciencia fazendo com elle uma confissão geral de todos os seus pecados na qual lhe não pode encobrir quem havia sido, e a extranha mudança de estado a que havia chegado. Deixou o santo eremita tão lastimado ao ouvir a tragedia da sua vida, vendo tão abatido a seus pés um monarcha tão grande que lhe faltaram palavras para haver de o consolar em aquela sua grande magua, e com a voz interrompida de suspiros lhe deu a absolvição e no dia seguinte o santissimo sacramento da Eucharistia.»


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II

DEPOIS de refazer as forças com um breve descanço, assentaram Rodrigo e Fr. Romano em se affastarem do commercio das creaturas, evitando ao mesmo tempo o cahirem em poder dos arabes vencedores, buscando logar apropriado e recôndito para n’elle fazerem penitencia muito a seu contento, sem terem a receiar as visitas importunas dos amigos e conhecidos, nem mesmo dos seus inimigos, que viessem perturbar-lhe a tranquilidade, que procuravam na solidão, salvando conjunctamente do poder dos agarenos, e de por elles ser profanada, uma imagem veneranda, devota, e assás milagrosa da Virgem, que no mosteiro resplandecia em milagres.

Esta imagem havia sido dada como prenda de inextimavel valor ao santo doutor S. Jeronymo por um monge grego chamado Cyriaco, que vivia em Nazareth de Palestina, ao tempo da estada de S. Jeronymo em Belem, a fim de o santo doutor a salvar da perseguição dos iconoclastas que, favorecidos e auxiliados por alguns imperadores do Oriente, pretendiam anniquillar o culto das imagens, destruindo-as.

S. Jeronymo não se julgando isento de ser inquietado, e desejando a conservação de obiecto tão valioso, prendou com elle Santo Agostinho, luminar da egreja de Hypponia, em Africa, recebendo-a como «joia digna de estimação».

O santo bispo aproveitou a occasião de, juntamente com algumas reliquias de S. Braz, S. Bartholomeu e outros patentear aos religiosos do mosteiro de Cauliniana, regidos por estatutos por elle organisados, o quanto apreciava as virtudes em que resplandeciam os monges d’aquelle convento, doando a imagem da Virgem ao mosteiro.

N’este mosteiro e redondezas adquiriu a veneranda Imagem a reputação de milagrosa, fama que no Oriente, notabilisando-se por innumeros prodigios e milagres operados por sua intercessão; seria pois impiedade deixal-a entregue aos baldões da sorte.

Feitos os preparativos para a viagem pozeram-se a caminho os dois peregrinos, tomando a direcção do poente; e, depois de cerca de vinte e seis dias de trabalhosa jornada, durante a qual cautelosamente se affastaram dos povoados, passando por perigos sem numero na travessia das escabrosas serranias, na vadeagem de rios, que lhe impediam a viagem, avistaram o mar que ansiosamente procuravam, ficando maravilhados do espectaculo da natureza nas novas paragens.

Sobretudo excitara a admiração de nossos peregrinos um elevado e aspero monte, erguido abruptamente em meio de grande e extenso deserto areal, arremessando magestosamente a crista para os ares, à semilhança de esbelta e gigantesca pyramide erguida em praça espaçosa.

Descançados um pouco das fadigas da viagem, resolveram elles subir ao cume da grandiosa montanha, cuja vista tanto os impressionára, pois a julgaram apropriada à vida que determinavam seguir, surprehendendo-os sobremaneira o encontrarem no cimo d’aquelle amontoado de penhascos um devoto crucifixo dentro duma pequena ermida, sem mais signal da estada ali de gente viva que uma sepultura rasa na mesma ermida, edificada onde apenas supunham encontrar guaridas de aves de rapina.

O vasto panorama, por onde a vista agradavelmente se espraia, disfructado do alto do monte, veio confirmar as supposições dos dois viajantes, resolvendo fixarem alli mesmo sua morada.

Permaneceram juntos alguns dias, entregando se á oração continua, a asperas penitencias, a praticas religiosas apenas interrompidas durante tempo necessario para na planicie procurarem o indispensavel, constituido por agua e algumas raizes silvestres, passando as noites reclinados sobre a terra nua que lhes servia de leito, tendo D. Ruderico por palacio o monte, por camara a pequena esplanada que o corôa; o leito real era a terra fria e dura, o gasalho a immensidade do espaço, a coberta o anilado firmamento, todo recamado de estrellas scintillantes; seu reino famoso, sua côrte brilhante, seu aurifulgente throno, seus nunerosos vassallos, tudo quanto possuia, estava agora encerrado nos estreitos ambitos do penhascoso Seano (assim se chamou antigamente o monte hoje denominado de S. Bartholomeu).

III

Não tardaram porem os dois eremitas em achar alguns inconvenientes na vida commum, Contribuindo tambem com obstáculos a carestia de agua e alimento necessarios, sendo forçoso por vezes ir procurar um e outro a grande distancia; o que entendido por Fr. Romano, egualmente conhecedor da vontade de Ruderico de estar completamente só, se retirou de commum accordo a outro monte proximo, distando do primeiro apenas uma milha, o qual por um lado tem serventia facil e por outro é talhado a pique sobre o mar, que lhe banha o sopé, alongando-se para poente e formando um pequeno promontorio.

Sobre o abysmo descobriu Fr. Romano na nova morada uma gruta entre dois rochedos, de extremidades pendentes para o oceano, na qual, depois de convenientemente preparada, formou um altar para colocar a veneranda imagem da Virgem da Nazareth, que, apezar de morena, tem o rosto esculpturado com notavel perfeição de forma.

Não obstante estarem distanciados, tinham os eremitas previamente estipulados alguns signaes por mero dos quaes se fallavam a certos tempos, de forma que, falhando algum dia os signaes convencionados, essa falta denotava a necessidade da presença do outro no retiro onde houvessem faltado.

Fr. Romano foi o primeiro a faltar a este compromisso, descendo então Ruderico pressuroso do monte Searo e correndo ao retiro do seu amigo e companheiro a informar-se da causa que o haveria impedido de fazer os signaes estipulados, achando o, porém, ja cadaver, com bastante magua do seu coração, angustiado ainda mais cruelmente por este golpe, que a desdita lhe vibrara tão rudemente.

Ruderico, ainda lacrimoso pela perda irreparavel que acabáva de soffrer, tratou de dar cumprimento à ultima vontade de Fr. Romano, sepultando o na gruta onde tinha construido o altar, conservando religiosamente as imagens no mesmo logar em que as deixára Romano, como manifestou ser de sua vontade.

Não obstante, a onda invasora dos arabes avolumava-se e espraiava-se por toda a Peninsula, e Ruderico, receiando ser descoberto por elles, ausentou-se, indo embrenhar-se nas inaccessiveis serranias do Herminio, a pequena distancia arredado de Vizeu n’um sitio chamado Fetal, onde terminou sua attribulada existencia, sendo sepultado na capella de S. Miguel, situada no dito logar, a darmos credito a uma inscripcão, alli encontrada, que diz: Hic requiescit Rudericus ultimius rex gothorum (aqui descansa Ruderico, último rei dos godos)

A datar desta época, que não deve ir muito além do anno de 712 até 1179, anno do prodígio com que a Virgem de Nazareth favoreceu a D. Fuas Roupinbo, alcaide-mór de Porto de Mos, nada de interessante refere a historia sobre os beneficios alcancados por intercessão da Virgem.

Apenas uma vaga tradição relata ser aquella veneranda gruta visitada frequentemente por alguns pegureiros, quando pasciam seus rebanhos por aquelles sitios, tendo por ella um culto rererente e respeitoso.

Nem mesmo admira que a historia guarde o mais absoluto mutismo sobre os factos ocorridos durante tão longo periodo de annos; pois quasi todo elle foi passado unicamente em luctas, assedios, correrias ou batalhas sangrentas entre mouros e christãos, levados estes pelo amor de sua independencia e liberdade, aguelles pela cubiça de possuirem as ferteis regiões da Hispania, facilitadas pela traicão de Juliano, conde e governador de Septum, de parceria com o renegado Oppas, bispo de Hispalis, moderna Sevilha.

Accresce ainda que proximo não havia povoação alguma importante, porquanto, dirigindo-se a Scalabis, no alto da serra de Albardos, escrutinando D. Affonso Henriques a um extenso horisonte, fez promessa das terras que d’alli se avistavam, e que depois constituiram os coutos d Alcobaça, para um mosteiro da ordem de Cister, se Deus o fizesse senhor de Santarem, coutando-a, afim de ser povoada rapidamente.

Após a derrota de Chrysus, o estandarte da liberdade, hasteado apenas nas asperas montanhas das Asturias, ia, entrementes, dilatando seus dominios, derrotando o crescente, em varias e sangrentas batalhas, genese das monarchias neogothicas, d’uma das quaes se emancipou o condado Portucalense, confiado á regencia de D. Affonso Henriques, porquanto, succedendo o seu pae, conde D. Henrique, no governo do condado, geriu este com tão fino talento politico, e com tanta felicidade, não só nas luctas com os mouros, talhando a golpe de montante os limites varios do condado, como tambem nas dissencões com seu primo de Leão, trilhando sempre na administração do condado as pisadas de seu augusto progenitor, tendentes á independencia da suzerania de Leão, a ponto de vêr realisados os sonhos dourados que Ihe povoavam a mente, aspiracão nobre e constante de D. Henrique.

Na Hispania a vida dos senhores d’aquella remota epoca, em sua maxima parte, consumia-se nas luctas contra o mouro, inimigo religioso e politico, afim de o affastarem e expulsarem, alargando os dominios proprios e garantindo a tranquillidade de seus vassallos, entregando-se, porem, nos breves intervallos que espacavam as lidas, nos divertimentos da caça.

Esta era a distracção favorita do alcaide-mor de Porto de Mós, no já reino independente de Portugal, divagando varias vezes pelas gandaras e mattas do Camarção, situadas entre Porto de Mós e o oceano, abundantes em todo o genero de caça.

N’um dia de nevoeiro denso entregava-se D. Fuas Roupinho, a esse passatempo predilecto, galopando vertiginosamente em seguimento de nedio gamo, que forcejava escapar-lhe, quando de repente se achou na extremidade d’um rochedo, talhado a pique sobre o mar, contando mais de 200 braças de altura.

Em perigo tão imminente, sem mesmo haver tempo de ter mãos nas rédeas, apenas invocou o socorro da Virgem, cuja imagem varias vezes visitara nas diversões venatórias, e fe-lo com tanta fé que «lhe parou o cavallo, como se fosse da natureza da mesma rocha, menos de dois palmos no fim d’ella».

Alguns, querendo fazer o milagre mais assombroso, dizem ser dos pés do cavallo de Roupinho uns stigmas de ferraduras, abertos na rocha, fazendo crêr suspensa sobre o abysmo a parte anterior do mesmo. O certo porém é que D. Fuas, em signal de agradecimento, deu graças a Deus e á Virgem, mandando logo vir de Leiria e Porto de Mós officiaes para edificarem uma ermida á sua salvadora, sobre a rocha em que estava a imagem, encontrando no momento de proceder ao inicio das obras, um pequeno cofre de madeira, forrado de reliquias de S. Bartholomeu, S. Braz e outros santos, juntamente  com um pergaminho dando relação da maneira como se effectuara a vinda das reliquias e veneranda imagem, como acabei de relatar.

Esta ermida, construida sobre as rochas da gruta, é em quatro arcos encimados por abobada, a fim de poder ser facilmente vista por todos, sendo porem mandados tapar os arcos com o decorrer do tempo, para evitar que capella e imagem fossem deterioradas, denomina-se capella da Memoria, em razão de conservar a do facto originario de sua fundação.

Sobre os quatro angulos da capella collocaram quatro estatuas de pedra, desfolhadas e desfiguradas pelo tempo, representando a primeira, sobre a porta, a Virgem com o menino nos braços: a segunda os Ss. Bartholomeu e Braz, cada um com as suas relíquias na mão; a terceira representava o rei Ruderico com a imagem de que fôra portador, e a quarta fr. Romano tendo um cofre na mão.

Quando Roupinho mandou proceder á construccão da Capellinha, com os detrictos da construccão entulhou-se a gruta, permanecendo n’este estado até á era de 1600, anno em que Fr. Bernardo de Brito e outros devotos, procederam á remoção do entulho e sob ella descobriram um nicho para uma imagem da Virgem, descendo-se até ella por uma escada à mão direita de quem entra na capella, suppondo-se com alguma probabildade ter sido sepultura de Fr. Romano, em rasão de serem alli mesmo encontrados alguns ossos humanos.

Por esta occasião compóz Fr. Brito uma inscripcao latina, mandada traduzir em vulgar e gravar uma e outra em duas lapides fronteiras, colocadas aos lados de quem entra na capella, pelo dr. Ruy Lourenço, provedor da camara de Leiria, e visitador da dita capella, cujos dizeres são os seguintes:

«A sagrada e veneranda imagem da Virgem Maria, sendo trazida da cidade de Narareth, resplandeceu em tempo dos godos, com milagres, no mosteiro de Cauliniana, junto a cidade de Merida.

Foi trazida a esta ultima parte do mundo pelo monge Romano, sendo-Ihe companhia el rei D. Rodrigo, no anno de Christo 714, em que aconteceu a perda geral da Hespanha. E, como o monge morresse e el rei se partisse, ficou aqui escondida, em uma pequena choça, posta entre estes dois escabrosos penedos, por espaco de 463 annos. E sendo depois achada por D. Fuas Roupinho, capitão de Porto de Mos, no anno de 1182, como elle proprio testifica na sua doação, succedeu que arremessando inconsideradamente o cavallo no alcance dum veado, que lhe fugia, e porventura era fingido, e indo já para cahir na ultima ponta d’este despenhadeiro, invocando o nome da Virgem, foi livre da quéda e mais da morte e lhe dedicou esta primeira ermida. Finalmente foi trasladada por D. Fernando de Portugal a esse outro templo maior, que elle mandou levantar, desde os primeiros fundamentos, no anno de 1377. E o doutor Fr. Bernardo de Brito, dedicou esta obra à Virgem e á eterna lembrança por voto que tinho feito.»

Até aqui a traducção; o que se segue é um aditamento explicativo da vinda da imagem, na inscripção vernacula:

«Como consta da monarchia Lusitana do mesmo Frei Bernardo de Brito, 2. parte, fl. 391, e se acha conforme as tradicções antigas, ser esta sacrossanta imagem da Virgem de Nazareth, obrada por mãos de S. José, na propria presença da mãe de Deus e encarnada por S. Lucas, e que da Nazareth trouxera Cyriaco, monge, a S. Jeronymo, a Belem, d’onde o dito Santo a enviara a Santo Agostinho a Africa, sendo bispo de Hipponia, e d’ahi esse santo bispo a enviou ao mosteiro cauliniano, do qual a trouxe Romano, na companhia d’el-rei Ruderico, ultimo dos godos, até aquelle monte de são Bartholomeu, até então Monte Seão, onde acharam aquelle milagroso crucifixo que está na sacristia, e d’ahi a dias, para este logar em que ficou debaixo da terra, os ditos 463 annos, em que apareceu ao tal cavalheiro, D. Fuas, no dito anno de 1182. O devoto que o letreiro traduziu, pede uma Ave Maria a esta Senhora da Nazareth. Anno de 1623»

D. Affonso Henriques ao ter noticia do sucesso milagroso acontecido com Roupinho, por correios enviados pelo alcaide a dar a nova, accudiu a visitar o logar do prodígio e a imagem a cuja intercessão o attribuia Roupinho, levando em sua companhia o infante D. Sancho e os grandes da sua côrte, auctorisando a doação de certa extensão de terrenos, para com seu rendimento se conservar o culto da Virgem, feita por D. Fuas Roupinho em 10 de dezembro de 1220, do nascimento de Christo de 1182, datando de então as romarias, vindas anualmente de todos os angulos do paiz a venerar a Virgem de Nazareth.

Apezar de tudo e do incremento tomado pela veneracão á santa imagem, nenhumas edificações fizeram, nem tão pouco se alargou a capella primitiva, não obstante ser de exiguas dimensões, comportando por isso um numero bem diminuto de fieis, a não ser no reinado do formoso e inconstante D. Fernando, que, levado pela narração dos prodígios operados por intercessão da Virgem, resolveu-se a ir em romaria visital-a em sua capella de Nazareth, mandando por essa occasião proceder á edificação d’outra mais vasta e espacosa no local onde ainda hoje existe, inaugurada em 5 d’agosto de 1377

Ao Dom Abbade d’Alcobaça competia apresentar os eremitas da nova ermida, bem como o direito de nomear os beneficiados e parochos da Pederneira, freguezia erecta anteriormente a 1195, cessando o primeiro d’estes em 1469.

O Papa Eugenio IV abriu, por essa ocasião os thesouros espirituaes da Egreja a instancias do soberano portuguez, e por intermedio da bulla, concedeu numerosas indulgencias e outras graças em beneficio dos devotos da mãe de Deus.

A munificencia da familia real portugueza não se deteve por aqui, vindo depois muitos dos nossos reis em romaria ao templo da formosa estrella do mar, e manifestando a sua regia presenca com novos augmentos no engrandecimento e embelezamento do mesmo templo.

Assim D. João I, apos uma romaria em 1383, em torno da ermida construida por D. Fernando, mandou edificar alpendres para abrigo dos romeiros, desprovidos d’outro alem d’este e das barracas adrede armadas no meio dos mattos visinhos, parecendo o acampamento dos devotos romeiros semilhante a um exercito em campanha.

D. João II e D. Leonor, sua mulher, mandaram fazer varias obras que, em sua visita á capella, julgaram necessarias, procedendo-se por sua ordem ao levantamento das torres e assentamento dos sinos respectivos.

D. Manuel, depois que visitou estes sitios em romaria, doou lhe uns pinhaes, não incluidos na doação de D. Fuas Roupinho, vindo tambem, antes da primeira viagem á India, Vasco da Gama, e annos mais tarde o apostolo das mesmas Indias, S. Francisco Xavier, e o moço rei D. Sebastião.

Apezar, porem, d’estas doações o rendimento da casa, era, em 1600, insignificante, cabendo a Manuel de Brito Alão a gloria de augmentar excessivamente seu rendimento, juntamente com a de reformar a casa e capella.

De 1680 a 1691 procedeu-se á edificação d’um novo templo, qual ora se vê, bella egreja em cruz latina, onde se admira sua belleza architectonica, o fino rendilhado de innumeras flores, o delicado das pinturas nos quadros que a embellezam, o seu tecto scintillante de puro ouro, semeado com prodiga profusão, sendo ainda assim obra do anno de 1837 o elegante zimborio que a corôa, e órgão adquirido em 1835

Antigamente as festividades dos romeiros começavam no mez d’agosto, vindo muitos e grandes Cirios de Penella, Santarem, Coimbra, Cintra; Collares, Mafra, Dois Portos, Almargem do Bispo, Alhandra, Porto de Mós, etc., alguns dos quaes, conservando ainda as tradiccões dos avoengos, acodem todos os annos a prestar veneração á padroeira dos portuguezes no mez de setembro para que se transferiram as solemnidades, não sendo exaggero calcular em 15 a 20.000 o número de romeiros vindos ao Sítio da Nazaré por essa occasião.

VII

A Pederneira é uma villa sem importância alem da historica, possuindo não obstante a egreja matriz, capella da Misericordia, a da Sra. dos Anjos, á beira da estrada que conduz á Praia e sobre um pequenino morro.

0 orago da freguezia é Nossa Senhora das Areias, e sua população tem tomado n’estes últimos tempos um desenvolvimento assombroso, pois contava apenas 569 fogos á data da organisação das lotações parochiaes, em 1839-1840, contra 1.369 do censo de novembro do anno proximo findo.

Ignora-se a data precisa da edificação da villa, cujo foral lhe foi dado por D. Manuel em 1621, já consideravelmente augmentada com a vinda dos habitantes da villa de Paredes, fugidos á invasão das dunas.

Na praça, no logar onde se ergue o velho e historico pelourinho, está assente a pederneira, de que a villa tomou o nome, um antiquissimo marco redondo, de 1,10 metros de altura, de silex pyromico, comquanto Pinho Leal inclina-se antes á hypothese do nome ser originario dos recifes da costa, visto que, em portuguez antigo, pederneira significa recife ou cachopo formado de seixo.

A villa primitivamente estendia se muito para o sul, e a egreja de então dedicada a Santo André ficava retirada do circuito das actuaes habitacões, no local chamado modernamente Rocio, sendo demolida com o decorrer dos tempos e aproveitando-se uma casa antiga que adaptaram a egreja.

Esta, como digno de menção, possue o pulpito, erguido ao lado do Evangelho, todo de boa madeira preta lavrada, um crucifixo de marfim, e a obra de talha da capella-mor. É azulejada até certa altura, tendo na capella-mor dois quadros historicos da vida do nosso glorioso thaumaturgo Santo Antonio, cuja festa ali é celebrada annualmente no dia proprio.

De ambos os lados da capella-mór, na orla que rodeia duas cruzes de braços eguaes, lê-se nos azulejos o seguinte:

«Os devotos de Santo Antonio lagearam e mandaram azulejar esta capella. 1637.»

O lavatorio da sacristia tem gravado: ANO DE 1638

No mesma egreja ha uma confraria do Santissimo, legalmente erecta, regida ainda pelos estatutos primitivos, fazendo sua festa no dia do Anjo Custodio, além da procissão aos entrevados. O juiz tem o nome de Reitor, sendo á boa administração d’elles que se deve o estado prospero da associação, e o embellezamento da egreja parochial

Também uma commissão festeja annualmente o Espírito Santo, sem que haia irmandade erecta, fasendo parte obrigada os anjos, vistosamente trajados, botando varias loas durante o trajecto das procissões.

Ao sul da villa fica o cemiterio municipal, conservado pela camara n’um estado de inexcedivel asseio. N’elle, em jazigo proprio, descanca o barão de Porto de Mós, traicoeiramente assassinado no pinhal do Estado, no local chamado Infesta. Pelo norte serve lhe de limite a capella da Misericordia, onde havia irmandade e um pequeno hospital. Sobre a verga da porta principal tem gravada a era de 1721, e, dentro da capella, à mão direita, n’uma inscripcão das obrigações da extincta irmandade, lê-se a era de 1716.

N’ella se admira a bella imagem do Senhor dos Passos, de um acabamento, perfeição e delicadeza de feiçoes inegualáveis.

A nosso vêr devia cuidar-se na erecção legal da irmandade dos Passos, com o que a Real Casa de Nazareth teria tudo a lucrar, organizando-se os estatutos a contento dos irmãos, e ressalvando os direitos de posse da Casa.

Vis-a-vis com o cemitério e Misericordia há uma propriedade murada, com casas de habitação, denominada a cerca, onde os frades Bernardos vinham cobrar o dizimo do pescado.

A nascente da villa e arredado d’ella uns 1.800 metros está situado o monte de S. Bartholomeu, de forma conica, no topo do qual se ergue a capella de S. Bartholomeu e S. Braz, servindo ele de marco aos navegantes e pescadores, que o avistam a mais de 30 kilometros.

«O monte de S. Bartholomeu, situado ao norte do valle da Barca, é um massiço bilobado, composto de uma série de rochas trachitycas de numerosas variedades de structura. As camadas constituintes d’este massiço são separadas por pedras de retracção dispostas em planos parallelos inclinados sobre o lado merdidional da montanha, symetricamente ao plano mediano».

Na Pederneira havia uma collegiada numerosa, quasi sempre em lucta com os frades de Alcobaça.

À esquerda de quem entra na praça da villa, está está um edificio, dominado por alto campanário, antiga sede das reparticões municipaes, cadeia e açougue e, presentemente, servindo para aula de instrucção primária e cadeia.

A camara actual projecta ultimar o caminho a macadam, ligando a estrada com a villa, e cemiterio, construindo assim um caminho aproveitado pelos banhistas para um ou mais passeios, nos quaes terão occasião de observar a formosa paysagem que se descobre da varanda da capella da Misericordia, a imagem do Senhor dos Passos, a pederneira, etc.

D’alli avista-se ao longe Peniche, a Berlenga e o seu pharol, as ilhotas das Estrellas e Farilhões, o Sítio, Capella da Nazareth, o Forte, em baixo as fazendas de sob-villa, todas vicejantes de verdura, a Foz do Alcoa, deslizando negligentemente pelo leito, a branca casaria da Praia, emfim, um quadro surprehendente e unico, cuja belleza impossivel é descrever.

VIII

Praia

DEPOIS de 6 kilometros de caminho, por uma estrada tortuosa e accidentada, occulta entre basto e espesso pinhal, do alto de um monte em cuja lombada á esquerda se ergue a villa da Pederneira, ou depois de aprazivel passeio em estrada risonha e plana, atravez de campos fertilissimos, ao dobrar a quebrada do monte base da villa, onde chamam a Barca, surge uma multidão enorme e aglomerada de casaria branca, alvejando como flocos de neve em manhã sorridente de inverno, mirando-se na formosa bahia que lhe beija os pés com o chrystal puro e diáfano de suas aguas – tal é a Praia da Nazareth.

Sua enorme casaria agrupada atrofia-se mutuamente, empilha-se em pequeno espaço, distribuindo-se em ruas de nascente ao poente em direitura ao oceano, por onde, quaes arterias, fluctua durante a época balnear, acotovelando se, uma multidão inumerável que vae e vem sem rumo certo (…).

As afamadas praias de S. Sebastian, no norte de Hespanha (…) e de Biarritz, em França, são admiráveis nos seus casinos e jardins, nas suas grandezas architectonicas, nos seus monumentos majestosos e na sua dokas grandiosas; mas… a altitudev das montanhas circumdantes, a extensão dos horizontes, o esconder do sol contemplado  do alto das erupções vulcânicas, a 100 e 150 metros acima do nível do mar, o chrystal das areias, beijadas pelas vagas, o sabor do delicioso peixe, a abundancia e barateza dos productos agrícolas, a variedade da paisagem, a frescura das brisas impregnadas do aroma dos pinhaes, as optimas condições de salubridade para todas as organizações humanas, a surpresa do seu céu dominado pelas gigantescas lageas do promontório do Sítio, a magestade do templo da Virgem de Nazareth, e, enfim, todas as belezas captivantes da provida natureza, em parte alguma as vimos (desculpem-nos o afecto à terra natalicia) em parte alguma as vimos tão variadas, tão notáveis, tão formosas como na Nazareth.

Quanto à antiguidade da Praia da Nazareth, ou simplesmente Nazareth, pouco há a dizer em razão de sua recente edificação.

É certo porem que, em seguida à batalha de Aljubarrota «de Alcobaça para a Nazareth seguia, com a cara rachada pelo gilvaz, o nosso arcebispo D. Lourenço; e ahi iam encontralo os Vaz, o João e o Antão, o das rebolarias, que trouxera aos hombros, dançando, a bandeira de Castella de presente a D. João I; todavia ha memoria de que em 1628 nenhuma habitação havia n’esta localidade tão hoje populosa e florescente.

Pelo que é uma povoação modernissima, construida em razão das necessidades de momento, provenientes do nome adquirido como estancia balnear, e, n’este género, uma das melhores do paiz.

So em quatro mezes do anno de 1875 se concluíram mais de 20 predios para residencia de banhistas, e esta febre actuou de tal forma sobre os habitantes da freguezia que muitos empregaram quasi todos os seus capitães em prédios urbanos.

Muito tem a lucrar com a autonomia concelhia, pois, alem dos melhoramentos já introduzidos, como o calcetamento de muitas ruas, a canalisacão das águas, a abertura da ponte no bairro sul, a estrada da Pederneira, a fonte da Barca, projecta-se a conclusão da estrada da Foz e a illuminação a gaz acetylene, alem de um outro de grandissima importancia, a que o Estado vae proceder a reiteradas instancias da municipalidade actual: o paredão caes e avenida marginal ao longo do promontório, dando esperanças de em pouco modificarem a Praia da Nazareth com os progressivos melhoramentos n’ella introduzidos.

A vida na Nazareth é cheia de todas as commodidades para quem queira estar á sua vontade, alugando-se casas mobiladas, com louças e roupas de agasalho, alem de dois hoteis bastante confortaveis, um situado proximo da praia. O peixe e abundante, de excellente qualidade e fino sabor, e muito apreciado nos pontos para onde é exportado, não sendo hoje rigorosamente verdadeiro o que dizia o celebre escriptor Julio Cesar Machado, da Nazareth: «quando ha mais peixe é quando elle é mais caro».

De manha cedo, todo o banhista que se présa, forçosamente ha de assistir aos banhos, ver na areia fina da praia alguns centenares de barracas, promptas a receberem uma alluvião de banhistas, e alli passa o tempo até á hora do almoço; depois uma digressão ao forte, uma regata no Alcôa, um passeio á Pederneira, uma subida ao monte S. Bartholomeo, diversas anscensões no elevador, constituem as diversões mais em voga, alem do classico club.

Ja antes da Nazareth gosar da autonomia concelhia, tinha quem pugnasse pelos melhoramento locaes, destacando-se entre elles Sousa Oliveira e o dr. Antonio Lucio Tavares Crespo, a cujos esforços se deve a construcção do ascensor, inaugurado em 1889, e se deveria a construcção do caminho de ferro para Alcobaça, pelo Vallado, a cujos estudos em tempo mandou proceder, se circumstancias imprevistas o não impedissem; justo é pois, que não sejam esquecidos os serviços prestados á Nazareth por este prestante cidadão, cujo retrato orna este opusculo, preito ás suas qualidades de homem e de benemerito. Muitos outros cavalheiros se teem interessado pelo engrandecimento d’esta localidade, possuídos da affirmativa do sr. dr. Crespo, que ora faço minha: «haja boa vontade e energia, que a Nazaré terá diante de si um largo e prospero futuro».

Notas:

ESQUECIA dizer que no Sitio da Nazareth foi construido um hospital, a expensas do thesouro da Real Casa da Nazareth, sob planta do engenheiro Jayme Augusto da Silva, custando esta util e humanitaria obra cêrca de 3.800 réis.

O edificio tem 40 metros de comprido por 10 metros de largo, além de duas casas nas faces superiores dos topos, com oito janellas de frente e uma porta ao centro. Compõe-se de quatro enfermarias, quartos particulares, casas de banho, cosinha, lavanderia, arrecadação e habitação do enfermeiro.

Os pescadores da Praia da Nazareth pagavam até 1832 os seguintes impostos: Aos frades bernardos, de Santa Maria de Alcobaça, 1 peixe de cada vinte que colhiam, ou 1.000 réis por cada 20.000 rs. do seu producto. Ao estado 1 peixe por cada 22, ou 1000 reis por cada 22.000.

À collegiada da Villa da Pederneira 1 peixe por cada 15 que colhessem, ou 1.000 reis por cada 15.000 do seu produto.

À Misericórdia, em virtude do contracto com os vogaes d’esta corporação de beneficiência, a terça parte do peixe, ou doseu producto, colhiodo aos domingos e dias sanctificados, e nos dias de semana 200 reis por cada 4.000 reis do producto do peixe, e, d’ahi para cima tantos 200 reis quantos 4.000 reis, nada pagando sendo o producto da colheita inferior a esta quantia.

Do imposto cobrado pela Misericórdia sobre o peixe colhido aos domingos e dias sanctificados, dava a Misericórdia metade à confraria do Santíssimo, vindo d’aqui o uso das companhias separarem certa quantia para o azeite da lâmpada do Santíssimo, qempre que a pesca attinja certa importância, como na actualidade praticam.

Em 1875 pagavam 6% sobre o producto líquido contado, depois de, ao rendimento total, descontarem 10% para caldeiradas e comedorias e sobre 6% mais 5% de addicionaes, e 5% para a viação, sendo lançados sobre o producto do peixe vendido diariamente, até ao fim do mez e pagos pontualmente no mez immediato ao do lançamento.

Em junho de 1873 caiu sobre a Nazareth uma chuva torrencial, que se prolongou por quatro longas horas, desde as 11 da manhã às 3 da tarde, acompanhada de horrorrosa trovoada, arrastando a massa de água enorme quantidade de areia que destruiu muitas casas, enterrando algumas até aos telhados, pelos quaes apenas poderem salvar-se os moradores, aterrorisando estes e causando enormes prejuízos. Pela mesma occasião uma pobre mulher ficou ferida n’um braço por uma faisca electrica.

Em setembro do anno seguinte um fogo devorador ia destruindo completamente o Sitio, a não serem executadas as acertadas providencias do sr. governador civil; ainda assim destruiu completamente a praça de touros, sendo depois construida a praça actual, no local da primitiva, quasi toda de madeira

Em maio de 1875 se observou um espantoso e terrivel cyclone: o mar encapellou-se repentinamente por forma tão desusada e soberba que parecia querer engolir em seu seio a população inteira, observando-se não menos pavor na terra por uma mudança tão brusca e temerosa do tempo.

Todos ainda estão lembrados das trovoadas de novembro de 1899 e dos seus efeitos na Nazareth. Cerca da uma hora da tarde de 14 do referido mez, começou de ribombar o trovão, tão medonhamente, que para logo se apoderou de todos os espíritos um temor e susto como nunca haviam sentido.

O estalejar do trovão succedia-se a pequenos espaços e grossa saraivada começou de acoutar as arvores, quebrar os vidros das janellas e destruir os telhados, quando, de subito, uma onda enorme de areia irrompe dos lados do areal e, percorrendo as ruas do Areal, Augusta, Mousinho de Albuquerque e Bonança, invadiu a praça, os estabelecimentos e casas particulares; a breve trecho golfam duas outras ondas, arrastando no seu impetuoso caminho troncos d’arvores, plantas, taboas, animaes mortos, mezas, cadeiras, bancos, portas, janellas, caixotes, etc., emfim tudo quanto encontraram na sua passagem devastadora, deixando muitas casas aterradas até ao tecto, salvando-se a custo os moradores,

Varias faiscas electricas fizeram das suas, sem que, felizmente, houvesse desgraças pessoaes a lamentar, acompanhando ininterruptamente esta destruição a musica terrivel e medonha da tempestade que se fez ouvir até final d’ella, ahi proximo das quatro horas da tarde.

Foi um espectaculo horrivelmente bello!

Na Nazareth ha uma capella publica construída no local de uma casa pertencente em tempo a uma familia de nome Poitiers, e adquirida pela camara em 1841. Foi concluída em 1861, sendo dedicada a Santo Antonio, cuja imagem alli mesmo se venera

D’esta compra existem documentos no archivo municipal, sendo todavía administrada pela Junta de Parochia.

Muito proximo fica a capellinha da Senhora dos Aflictos, propriedade particular da familia do sr. José Pinheiro, das Gaeiras.

Ha tambem um notario publico e é séde d’um juizado de paz da comarca de Alcobaça.»