O Culto de Nossa Senhora da Nazaré é dos mais antigos no seio da cultura da língua portuguesa. Pode dizer-se que tem raízes desde os primórdios do cristianismo no ocidente peninsular ibérico. Está ligado à profunda articulação do território com o mar – que constitui um elemento decisivo para a definição da identidade e dos hábitos e costumes tradicionais. Simboliza a proteção relativamente aos perigos do mar e um profundo sentido de hospitalidade em relação a quem chega de longe, seja do norte seja do sul, seja do Atlântico ou do Mediterrâneo.

Acresce que o culto se liga ainda à formação das Armadas dos navegadores de longo curso, com a invocação do primeiro Almirante português D. Fuas Roupinho. Hoje nos caminhos de peregrinação a rota da Senhora da Nazaré articula-se com o culto de Fátima, tendo uma riqueza redobrada.

Não se trata, todavia, de uma questão do passado, mas do futuro. A projeção mundial deste culto assume, de facto, um carácter global e universalista. Saquarema (Rio de Janeiro) é o berço da devoção à Senhora de Nazaré no Brasil. Até aos dias de hoje a imagem milagrosa da Senhora da Nazaré encontra-se na Igreja Matriz da localidade, revestida com seu tradicional e rico manto, símbolo desta devoção, reinando através dos séculos com quase 400 anos de história e fé.

Mas é em Belém do Pará onde as celebrações são mais espetaculares. Aí a procissão do Círio da Nazaré para a Casa de Deus é uma cerimónia todos os anos presenciada e participada para mais de dois milhões de pessoas. É uma manifestação riquíssima de criatividade popular. Não podemos esquecer ainda as muitas centenas de localidades de Norte a Sul do Brasil onde o culto de Nossa Senhora da Nazaré é intensamente vivido.

Como exemplo de património imaterial de expressão universal é dos mais significativos em termos mundiais – representando um profundo sentido comunitário de solidariedade, de entreajuda, de compreensão e respeito mútuos, que antecipam e realizam os valores fundamentais da UNESCO.

Guilherme d’Oliveira Martins, professor universitário, ex-Ministro da Presidência(2000-2002), das Finanças (2001-2002) e da Educação (1999-2000) e Administrador Executivo da Fundação Calouste Gulbenkian