A devoção à Virgem Maria de Nazaré, em Belém, é anterior (e muito) à realização do Círio. A pequenina imagem, em estilo barroco, foi encontrada por Plácido, em 1700, sobre as pedras (há quem diga que teria aparecido entre os galhos de uma árvore) de um igarapé, que passava pelo local onde, hoje, está edificada a Basílica. A peça, que foi submetida a três processos de restauração, mede apenas 28 centímetros e está protegida por uma redoma de cristal, no Glória, no altar-mor do templo. Quase um século depois de haver sido encontrada a imagem é que foi realizada a primeira procissão em honra daquela que viria a ser consagrada como a padroeira do povo do Pará e, também, Rainha da Amazônia.

O primeiro Círio aconteceu na tarde do dia 8 de setembro de 1793. A trasladação foi realizada na véspera, numa data que, anos mais tarde, viria a ser festejada como a da independência do Brasil. A história registra a realização de um grande cortejo, com nada menos do que dez mil pessoas. Hoje, esse número, diante da multidão que acompanha o Círio, chega a parecer insignificante. Naquela época, era um fenômeno de público. A milícia paraense foi representada por 1.932 soldados, que usavam uniformes de gala.

Por mais estranho que possa parecer, ao devoto do século XXI, há informações de o Círio saiu, ao longo dos séculos,em diferentes dias e horários. O período da  tarde foi substituído pelo da manhã, por causa das fortes chuvas que caem depois do almoço. Em 1853, uma maré alta inundou a área do Ver-o-Peso e o carro que conduzia a Imagem ficou atolado. Para tirá-lo do lamaçal foi necessária a utilização de uma corda. Como os fiéis fizessem força para desatolar o veículo, o sacrifício acabou sendo confundido com a fé. A partir de então, a corda foi incorporada à procissão.

A história do Círio de Nossa Senhora de Nazaré registra muitas alterações. A berlinda foi introduzida em 1855 e era puxada por animais. Em 1925, o arcebispo d. Irineu Joffily decidiu que, em vez de Berlinda, seria usado um andor, para conduzir a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Foi ele, também, o responsável pela polêmica da retirada da corda, que só voltou à procissão graças a um acordo político, costurado por Magalhães Barata. Ao todo, foram construídas quatro berlindas, sendo a última – e a que ainda sai no Círio – entalhada, em 1965, pelo escultor João Pinto, que deu à peça um elegante estilo barroco, semelhante aos dos coches portugueses.

Para preservar a verdadeira Imagem da Virgem Maria de Nazaré, os padres Barnabitas, responsáveis pela guarda deste verdadeiro tesouro da arte e da fé do povo do Pará, usaram, por muitos anos, uma peça que, hoje, está guardada na Capela do Colégio “Gentil Bittencort” e que, não fosse pela inscrição na base, que indica tratar-se da Senhora de Nazaré, seria reconhecida como Nossa Senhora do Livramento. Em 1969, a pedido de vigário da basílica, padre Miguel Giambelli, o escultor italiano Giacomo Mussner entalhou uma nova Imagem, que tem as feições de uma moça bem novinha, com o menino nos braços. O rostinho desse menino tem os traços de um nativo da Amazônia, como forma de homenagear o povo que acolheu Nossa Senhora como Mãe.

O Círio de Nossa Senhora de Nazaré é apenas uma, num conjunto de romarias, realizadas antes e após a grande procissão, do segundo domingo de outubro. O percurso, de quatro quilômetros e meio, une o bairro da Cidade Velha, onde foi construída a Igreja de Sé (de onde sai o Círio) ao de Nazaré, onde se encontra a Basílica. O Círio mais longo foi realizado no ano 2000 e durou nove horas. Por força de Lei Estadual, Nossa Senhora de Nazaré é merecedora de honras de Chefe-de-Estado. A grande festa da Padroeira é organizada pela Diretoria da Festividade, que é um grupo formado por leigos engajados e devotos. O Círio de Nazaré, pela beleza e pelo que representa para o povo católico do Brasil, já foi incluído na relação dos eventos considerados patrimônios culturais imateriais do país.

João Carlos Pereira. Professor, jornalista e membro da Academia Paraense de Letras e do Conselho Estadual de Cultura. É, também, o autor da coleção “Etapas do Círio”, publicada pelo Jornal O LIBERAL, em 2005.