Carlos Laranjo Medeiros, Helder Barbalho e Walter Chicharro no Brasil fortalecendo laços e formalizando a cooperação

Em novembro de 2018 uma delegação de representantes da vila da Nazaré entregou ao Papa Francisco, no Vaticano, uma Imagem de Nossa Senhora da Nazaré. O Santo Padre recebeu o ícone, obra de uma artesã nazarena, das mãos do Presidente da Câmara Municipal da Nazaré, Walter Chicharro, e deu a sua bênção ao objetivo dos peregrinos portugueses: candidatar esta singular veneração mariana, as suas Práticas e Manifestações, a Património Cultural Imaterial português e do mundo, respetivamente no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial e na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, promovida pela UNESCO. Esse momento em Roma e esta pretensão colocaram em marcha uma bola de neve, que continua um ano depois a avolumar e já transcende largamente o objetivo restrito da Candidatura, sendo já um processo luso-brasileiro.

O Município da Nazaré, com o apoio técnico da IPI Consulting Network e a cooperação de entidades como a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, de facto, tem desenvolvido um intenso trabalho de estudo, investigação, registo, organização de informação e conhecimento, sensibilização, mobilização e divulgação, bem como dinâmicas de diplomacia, preparação de eventos e parcerias que foram além do inicialmente “sonhado”, tendo já sido abertas diversas portas e construídas diversas “pontes” que, sem dúvida, contribuem já para a salvaguarda e promoção deste ancestral património cultural e espiritual português que se espalhou pelo mundo lusófono.

Desde logo, este trabalho permitiu tomar real a consciência da universalidade deste culto e das suas múltiplas expressões. Uma das primeiras tarefas a que nos abalançámos foi a identificação de todos os sítios onde existe o Culto à Senhora da Nazaré, seja em forma de templo ou de manifestação festiva, artística ou devocional. Em pouco tempo percebemos que esta tradição de origem medieval portuguesa é partilhada por largas dezenas de comunidades, não só na região Oeste portuguesa, seu berço tradicional, mas em todo o país e por todo o mundo lusófono, especialmente no Brasil. De facto, são já cerca de 300 as referências que conseguimos localizar (ver mapa), e praticamente todas as semanas acrescentamos mais uma igreja, mais uma capela, mais um círio ou festividade em honra da Virgem da Nazaré, essa invocação mariana com origem na Lenda do Milagre de Fuas Roupinho, em 1182, no promontório que é hoje o coração do concelho da Nazaré, na costa atlântica portuguesa. Uma história que se tornou devoção e símbolo de identidade e união entre gentes tão diversas.

Este culto também está presente em algumas localidades angolanas ou de São Tomé e Príncipe, mas a grande dimensão identitária deste culto reside nesta ponte luso-brasileira, que entretanto ao longo deste ano também se consolidou com a visita oficial do presidente do município nazareno e do coordenador da Candidatura ao governador do Estado do Pará, Helder Barbalho, em outubro de 2019, por ocasião da maior manifestação deste culto no mundo, o Círio de Nazaré de Belém do Pará, em que foram estabelecidos os termos da cooperação para a Candidatura à UNESCO e para outras dinâmicas de cooperação entre o município português e o estado paraense.

Nazaré recebe Encontro Internacional de Comunidades e Colóquio Científico

Este levantamento de locais e de práticas e manifestações do culto a Nossa Senhora da Nazaré, suscitou também a consciência da possibilidade de salvaguardar este património por via da criação de um fórum de comunidades onde esse culto existe, marcando o quotidiano cultural e espiritual de milhões de pessoas em diversos países, reforçando os laços até agora ténues. Esse fórum tomará a forma, inicialmente, do principal evento publico associado à Candidatura: o Encontro Internacional de Comunidades Devotas de Nossa Senhora da Nazaré, que decorrerá na Nazaré, de 24 a 26 de janeiro (conforme programa que pode ser consultado aqui), com a presença de dezenas de representantes dessas comunidades, bem como altas individualidades eclesiásticas e civis brasileiras e portuguesas, incluindo a secretária da Cultura do Estado do Pará em representação do governo. O ponto alto desta jornada fraterna será a Missa, celebrada por Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e concelebrada pelo Reverendíssimo D. Alberto Taveira Corrêa, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará e por outros prelados presentes, nomeadamente do Brasil e de África. Este Encontro será também a ocasião para se fazer o devido balanço público desta Candidatura, bem como perspetivar o futuro das parcerias e dinâmicas desencadeadas, com um programa de três dias de debates e conferências, além de forte componente cultural e de convívio, com destaque para as riquezas etnográficas e gastronómicas do concelho da Nazaré.

Também virá a Portugal nesta ocasião a Imagem Peregrina da Senhora de Nazaré de Belém do Pará, acompanhada de três Guardas da Nazaré e responsáveis pelo Círio de Nazaré de Belém do Pará, uma das maiores festividades católicas do mundo, que todos os anos em outubro congrega mais de dois milhões de pessoas. A Imagem Peregrina brasileira chegará a Lisboa no dia 22, ficando até 24 no Mosteiro dos Jerónimos em exposição, sendo aqui celebrada uma Missa especial na manhã deste dia, celebrada pelo cónego José Manuel Ferreira e concelebrada pelos representantes eclesiásticos brasileiros. No domingo de manhã, já no Santuário da Nazaré, será celebrada uma Missa, presidida pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.

Este Encontro de Comunidades tem mais ambições em termos de aproximação entre povos. Tendo como mote a lenda da origem da Imagem da Senhora da Nazaré, que reza a tradição terá sido esculpida pelo próprio S. José na Nazaré da Galileia (hoje uma cidade no norte de Israel) e passado por Belém (hoje uma cidade palestina da Cisjordania), Annaba (Argélia) e Mérida (sul de Espanha), numa saga que terminou no altar principal do Santuário da Nazaré, temos vindo a estabelecer contactos com estas comunidades, no sentido de as recebermos neste Encontro, palestinianos, israelitas, argelinos e espanhóis, num encontro fraterno sob a égide de uma tradição lendária que radica na religiosidade popular portuguesa.

De caráter mais científico, embora aberto a toda a população, decorre também no dia 1 de fevereiro de 2020, o colóquio «O Culto de Nossa Senhora da Nazaré: Perspetiva Multidisciplinar», coordenado pelo historiador e arquivista da Torre do Tombo, Pedro Penteado, ele próprio um dos principais especialistas na história deste culto, sendo também diretor do Arquivo da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré há mais de uma década. Este evento é realizado pela Câmara Municipal da Nazaré, numa parceria científica com o Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) e o Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP), da Universidade Católica Portuguesa. Sobre esta iniciativa, de que deverá resultar uma publicação, importante contributo para a história deste património cultural, encontrará também mais informação nesta página.

Estudo e divulgação do culto e das suas manifestações

O processo de Candidatura das Práticas e Manifestações do Culto de Nossa Senhora da Nazaré, no entanto, não se esgota nestes eventos ou na formação de uma Comissão de Honra e de uma rede de Embaixadores da Candidatura, tendo sido iniciado em paralelo um intenso trabalho de estudo e organização do conhecimento histórico, antropológico, sociológico desta tradição, típica de comunidade do mar, mas também adotada em contextos rurais, sendo por exemplo padroeira dos Estados amazónicos de Pará e Rondônia, onde detém igualmente o título de Rainha da Amazónia. Esta diáspora cultural portuguesa, que se expressa em iconografia, festividade, hábitos ou costumes locais comuns, será analisada e constatada no Encontro de Comunidades e no Colóquio, mas está refletida já noutra das principais frentes de trabalho desta Candidatura, designadamente o website, principal plataforma de divulgação e sistematização da informação sobre esta Fé e as suas expressões no mundo.

Entre outras valências, como disponibilizar livros, artigos, vídeos ou imagens, importantes para a salvaguarda e estudo deste património que nas últimas décadas perdeu o antigo fulgor que tinha em Portugal, sobretudo após a ascensão do fenómeno igualmente mariano de Fátima, o website disponibiliza alguns trabalhos inéditos como uma bibliografia essencial deste culto, em desenvolvimento nesta página, ou uma cronologia que assenta ainda sobretudo na história da tradição em Portugal e que continua a ser enriquecida com efemérides no Brasil e outros locais.

Em termos de comunicação e envolvimento da população, a Candidatura optou por um perfil mais discreto, sem grande mediatismo além do essencial, e optámos por apostar num crescimento mais orgânico da consciencialização e mobilização “de raiz”, através de meios convencionais como folhetos, cartazes ou faixas em locais estratégicos da vila da Nazaré, de contactos diretos com agentes civis e religiosos nas comunidades ou através de eventos, mas sobretudo pelas principais redes sociais, como o Facebook, o YouTube ou o Instagram, diariamente atualizados e com uma atenção permanente a todas as manifestações que vão acontecendo pelo mundo, relacionadas com a Senhora da Nazaré. Estas comunidades digitais, que também despertam uma identidade comum, foram crescendo de forma orgânica, sem campanhas pagas, e em poucos meses já contam com mais de dois mil seguidores, na sua esmagadora maioria ainda portugueses, esperando-se que a difusão no Brasil aumente exponencialmente este público. Neste contexto, de divulgação e envolvimento, também lançámos um abaixo-assinado de apoio à Candidatura, que já recolheu mais de uma centena de assinaturas, quase exclusivamente também apenas no contexto português, já que a divulgação no lado brasileiro está ainda (meados de dezembro) a dar os primeiros passos.

Uma candidatura que já venceu

Solenidade das Festas da Nossa Senhora da Nazaré 2019 foi transmitida em direto online pela Candidatura

É de justiça realçar, ainda, o trabalho de investigação em torno do culto e das suas ramificações históricas e sócio-culturais, que irá fundamentar os dossiers da Candidatura, sob a orientação de técnicos altamente qualificados como o coordenador Carlos Laranjo Medeiros, antropólogo e fundador da IPI, o arqueólogo André Tomé, ou Patrícia Cordeiro, socióloga que recentemente levou a bom porto a Candidatura da tradição transmontana dos Caretos de Podence a Património Cultural Imaterial da Humanidade. Todo esse trabalho de estudo e de campo, de conhecer o território e as suas gentes, a arte e a literatura inspirados pelo Culto, de recolher conteúdos e testemunhos, de contactar os agentes locais que ainda mantém vivas as manifestações como os Círios do Oeste ou as festividades no Santuário, de organizar e catalogar centenas de registos documentais, iconográficos ou artísticos, que ainda decorre, pelo menos, até março próximo, enriquecerá sem dúvida o corpo de conhecimento deste importante Culto Mariano, estando também refletido no website, repositório e montra por excelência deste património no domínio público, ou em futuras iniciativas editoriais igualmente previstas. O colóquio de 1 de fevereiro deverá também ser um contributo relevante para o corpo de conhecimento do culto e das suas expressões no mundo, prevendo-se um debate rico e a publicação das comunicações.

Em paralelo com esta componente de estudo, divulgação e fundamentação, decorre também ainda a produção de um filme documental sobre o tema da Candidatura, a incluir no dossier UNESCO, com dezenas de horas de registos videográficos e milhares de fotografias captadas sobretudo em setembro e outubro, na época das festividades em honra da Senhora da Nazaré, com ênfase nos antigos Círios ao Santuário. Este filme está a cargo da equipa do cineasta Rui Pilão e deverá refletir também a riqueza multinacional do culto e das suas expressões. Menção ainda à criação do normativo gráfico da Candidatura, a cargo da designer Sofia Neves, imagem de marca desta “aventura”, numa interpretação estilizada da história fundadora deste Culto, o milagre de Fuas Roupinho.

Sendo claro objetivo apresentar um dossier de Candidatura sólido e bem fundamentada no sentido da patrimonialização desta tradição, incluindo um plano exequível de salvaguarda futura, torna-se evidente que este projeto pôs em marcha iniciativas que sem dúvida vieram já revalorizar esta tradição que, em Portugal, estava em declínio, seja com as ligações multinacionais e nacionais estabelecidas, seja no estudo e na divulgação da mesma, assegurando possibilidades de salvaguarda e de desenvolvimento das comunidades locais, por via do incremento do turismo religioso e do reforço da identidade cultural da Nazaré e das localidades onde o culto é celebrado. Ou seja, ainda antes de serem apresentadas à Direção Geral do Património Cultural ou à UNESCO, este trabalho já se pode considerar vencedor.